Historia de la Matemática Iberica :: Matemática en Portugal

Para a História da Sociedade Portuguesa de Matemática

por José Morgado
 

INDICE

CAPITULO I

MATEMATICOS PORTUGUESES DECIDEM ASSOCIAR-SE

1- Nascimento da Sociedade Portuguesa de Matemática

2- Actividades da Comissão Pedagógica

3- Efervescência da actividade matemática

4- Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa

5 - Conferências de Maurice Fréchet em Portugal

6- Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia

7- Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto

8- Centro de Estudos Matemáticos do Porto

9- Um curso de António Monteiro no Porto

CAPITULO II

A EFERVESCÊNCIA ATINGE TAMBÉM A FÍSICA

1- Guido Beck em Coimbra

2- Centro de Estudos de Física de Lisboa

3- O curso de Guido Beck e a actividade desenvolvida no Seminário de Física Teórica anexo ao C.E.M. do Porto

4- Alexandre Proca dirige o Seminário de Física Teórica

5- Prémio Nacional Gomes Teixeira

CAPITULO III

PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL NO MOVIMENTO MATEMATICO

1- Sinais de hostilidade à efervescência matemática

2- Os Clubes de Matemática

3- Duas conferências de António Monteiro dirigidas aos estudantes universitários do Porto

4- Colaboração estudantil nos Colóquios

5- O primeiro Clube de Matemática em Portugal

6- Outros Clubes de Matemática

7- Supressão dos Clubes de Matemática

CAPITULO IV

DIFICULDADES NA LUTA CONTRA O ISOLAMENTO CIENTÍFICO

1- Sociedades Matemáticas nos países mais evoluídos

2- Falta de uma tradição de trabalho em Matemática

3- O isolamento e as Conferências Democráticas do Casino

4- O nosso atraso em Matemática

5- Opinião de Gomes Teixeira

6- Opinião de Pedro José da Cunha

7- 0pinião de António Monteiro

8- Não se perdeu a lição de Monteiro

9- Junta de Investigação Matemática

10- Dotação da Junta de Investigação Matemática

11- Palestras sobre a Investigação Científica

12- Colaboração entre a J.I.M. e a S.P.M.

13- Participação em Congressos

14- Ofensiva governamental contra a Universidade Portuguesa

BIBLIOGRAFIA

ANEXO

CAPITULO I

MATEMATICOS PORTUGUESES DECIDEM ASSOCIAR-SE

1- Nascimento da Sociedade Portuguesa de Matemática

Há 50 anos, precisamente em 12 de Dezembro de 1940, pelas 22 horas, na sala de Cálculo da Faculdade de Ciências de Lisboa, reuniu-se a Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Matemática, para discussão e aprovação dos Estatutos e eleição dos corpos gerentes.

Presidiu a esta sessão o professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, Victor Hugo Duarte de Lemos, secretariado pelo Professor do Ensino Secundário, José Duarte da Silva Paulo.

Em nome da Comissão encarregada de elaborar um projecto de Estatutos, falou o professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, José Francisco Ramos e Costa, para fazer a apresentação e justificação do projecto. Após a aprovação de duas emendas propostas pelo doutor António Aniceto Ribeiro Monteiro, o grande animador de toda a actividade que precedeu a realização desta Assembleia, foram aprovados os Estatutos. A primeira emenda apresentada tinha a finalidade de garantir que se procedesse à eleição dos corpos gerentes, de dois em dois anos ; e a segunda proposta, que fossem considerados sócios fundadores todos os que aderissem às resoluções da Assembleia até 31 de Janeiro de 1941.

Havia já mais de 100 sócios e, desses, 50 votaram nesta Assembleia.

Foram eleitos para a Assembleia Geral :

Presidente : Aureliano de Mira Fernandes

Secretários : António Augusto Ferreira de Macedo

José Francisco Ramos e Costa ;

para a Direcção :

Presidente : Pedro José da Cunha

Vice-Presidente : Víctor Hugo Duarte de Lemos

Secretário-Geral : António Aniceto Ribeiro Monteiro

Tesoureiro : Manuel Augusto Zaluar Nunes

1(o) Secretário : Maria Pilar Ribeiro

2(o) Secretário : Augusto de Macedo Sá da Costa ;

para delegados à Associação Portuguesa para o Avanço das Ciências :

- Bento de Jesus Caraça

- Francisco de Paula Leite Pinto,

(Gazeta de Matemática, n(o) 5 (1941), p. 12 e Boletim da S.P.M., série B, vol. 1, n(o) 2 (1947), pp. 5-6).

Assim, em 12 de Dezembro de 1940, nasceu oficialmente a Sociedade Portuguesa de Matemática.

Nos seus primeiros 50 anos de existência, houve períodos de actividade muito intensa e um longo período houve em que mal se dava conta de que ainda vivia, tão reduzida foi a sua actividade pelos detentores do poder !...

*

A Direcção eleita em 12 de Dezembro de 1940 iniciou imediatamente os seus trabalhos, com vista à elaboração do Regulamento Interno da S.P.M., criação de algumas Comissões Temporárias e algumas Comissões Permanentes, tais como : Comissão Pedagógica, Comissão de Matemática Pura, Comissão de Matemática Aplicada, Comissão de História e Filosofia da Matemática, Comissão de História da Astronomia Naútica, Comissão do Centro de Documentação, Comissão de Redacção do Boletim da S.P.M., Comissão de Propaganda de Lisboa, Comissão de Propaganda do Porto, Comissão de Propaganda de Coimbra.

A criação de Comissões de Propaganda nas cidades onde havia Universidades era especialmente importante, não só para angariação imediata de novos sócios, mas ainda para a colheita de elementos destinados à elaboração de um cadastro de todos os licenciados em Matemáticas pelas respectivas Universidades e de todos os Professores de Matemática.

O Regulamento Interno que veio a ser aceite, proclamava que os sócios residentes no Porto e os sócios residentes em Coimbra podiam desde logo constituir Núcleos cientificamente autónomos. Explicitava ainda que os sócios residentes em qualquer outra localidade do território nacional podiam solicitar autorização à Direcção para constituírem um Núcleo da S.P.M..

Tanto o Estatuto como o Regulamento Interno incentivavam os sócios à auto-organização.

2- Actividades da Comissão Pedagógica ;

A formação de Comissões, quer Temporárias, quer Permanentes, era indispensável para se alcançarem os objectivos essenciais da S.P.M. : cultivar e promover o estudo das Ciências Matemáticas, Puras e Aplicadas, realizando, para isso, reuniões de estudo, conferências, cursos livres, publicando um Boletim e outros estudos matemáticos, promovendo a participação em Colóquios e Congressos, colaborando em publicações, quer nacionais, quer estrangeiras, etc..

Numa das primeiras reuniões da Direcção, foi deliberado dirigir uma circular aos associados, pedindo o envio de comunicações científicas para leitura em posteriores reuniões da Sociedade. Previa-se também, nessa circular, a organização de séries de conferências (Gaz. Mat., n(o) 6 (Abril de 1941), p. 16).

A primeira reunião de estudo realizou-se em 26 de Junho de 1941. De acordo com uma pequena nota publicada por Bento Caraça na Gazeta de Matemática (n(o) 8 (1941), p. 10), a Assembleia da Sociedade discutiu e aprovou por unanimidade o plano de trabalhos da sua Comissão Pedagógica.

Nesse plano apontava-se como primeira condição para recriar um movimento matemático forte em Portugal, conseguir-se a existência de um bom ensino secundário da disciplina de Matemática e, consequentemente, tornava-se urgente proceder à análise das condições em que esse ensino se processava. Ora, no entender da Comissão Pedagógica,

" a) os programas são mal equilibrados, com grandes deficiências e alguns excessos ;

b) o tempo lectivo da disciplina de Matemática é ridiculamente exíguo ;

c) as condições de selecção são defeituosas, por má organização dos pontos e pelas normas de classificação ;

d) acresce que os pontos, dada a sua textura habitual, vão influir sobre a qualidade do ensino, com manifesto prejuízo deste."

A Comissão Pedagógica chamava a atenção para outros aspectos da questão, que deviam ser estudados, conjuntamente, tais como :

" a) a preparação cultural e pedagógica dos professores de Matemática do ensino secundário ;

b) a possível introdução de métodos novos de ensino, tais como os métodos laboratoriais para os rudimentos de geometria ;

c) a possível utilização do cinema no ensino da Matemática ;

d) a difusão do gosto pelo estudo da Matemática por meios extra-escolares, tais como a criação de clubes de Matemática, etc.."

E a Comissão Pedagógica apelava para a colaboração de todos a fim de se proceder ao estudo cuidadoso de cada uma destas questões.

A Assembleia da Sociedade, depois de tomar conhecimento do plano da Comissão Pedagógica e de o discutir, aprovou-o e resolveu que se pedisse imediatamente ao Ministério da Educação que, sem prejuízo dos resultados a que ulteriormente se chegasse no estudo dos problemas levantados,

" restabeleça desde já o antigo nível dos estudos matemáticos dos liceus, com a necessária ampliação dos tempos lectivos."

Com efeito, por essa altura, no último ano dos liceus, o tempo lectivo oficialmente dedicado ao ensino da Matemática, chegou a ser reduzido a 2 horas por semana !

*

Nesse mesmo ano, na reunião realizada em 10 de Dezembro de 1941, a Assembleia da Sociedade Portuguesa de Matemática, após tomar conhecimento da proposta que a Comissão Pedagógica lhe apresentou, como resultado do estudo que tinha feito dos pontos de exame liceais de Matemática, relativos ao ano de 1940-1941, não só apoiou as conclusões da Comissão Pedegógica, como resolveu protestar energicamente contra a forma como tais pontos de exame foram elaborados : imprecisão da linguagem utilizada ; figuras que acompanhavam as questões postas, mal feitas ou até erradas ; os critérios impostos pelo Ministério para a correcção e classificação das provas, constantes do folheto intitulado Instruções aos reitores dos liceus sobre os exames liceais e de admissão aos liceus, continham a disposição anti-pedagógica de mandar reduzir a zero a cotação de uma resposta deficiente ou incompleta, sem qualquer contemplação pelo trabalho realizado, mesmo que tal trabalho mostrasse estar o examinando de posse de todos os elementos necessários para a resolução correcta.

A este respeito, a Assembleia tomou as resoluções seguintes :

"1(o)- Considerar como injustificado e condenável, tanto do ponto de vista científico, como do ponto de vista pedagógico, o actual regime para os exames de liceu na disciplina de Matemática, já pela sua deficiência como meio de investigação dos conhecimentos dos examinandos, já pelo perigo, ainda maior, que representa pela deformação que provoca na orientação do ensino.

2(o)- Comunicar esta resolução às entidades pedagógicas responsáveis.

3(o)- Empregar todos os meios ao seu alcance para que o mesmo regime seja substituído por outro que melhor possa servir os interesses do ensino.

O Ministério da Educação viu-se obrigado a tomar conhecimento das críticas feitas pela S.P.M. e, assim, os jornais de 21 de Fevereiro de 1942 publicavam uma nota intitulada As instruções dadas à comissão organizadora dos pontos, que dizia o seguinte :

"Pelo sr. Ministro da Educação Nacional foram dadas as seguintes instruções à Comissão Organizadora dos pontos para exames liceais :

I : O ponto modelo traduz uma orientação geral a seguir pela Comissão, não um paradigma que seja forçoso adoptar. Pode, portanto, deixar de seguir-se quanto : 1) às cotações a atribuir a certa questão ; e 2) ao número de questões a propor, à sua ordenação e ao processo da sua formulação.

II : Pode a Comissão organizar os pontos com extensão menor do que a prevista no ponto modelo : pode e a experiência mostra que em alguns casos deve".

A Gazeta de Matemática transcreveu, sem comentários, esta nota do Ministério, na secção de Pedagogia, do seu número 10 (1942), p. 25.

*

Na Assembleia Geral da S.P.M. realizada em 10 de Julho de 1942, no seguimento de uma proposta apresentada por Bento Caraça em nome da Comissão Pedagógica, foi resolvido que a Sociedade Portuguesa de Matemática promovesse a publicação de uma Biblioteca de Matemática, com o objectivo de se dispor de obras de apoio aos estudantes universitários e de obras de um nível algo mais elevado, destinadas aos licenciados interessados em adquirir uma cultura matemática complementar ou aos que, por força da sua profissão, tal como os professores do ensino secundário, necessitam de mais ampla informação especializada.

Foi resolvido ainda representar junto à Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, pedindo a concessão de um subsídio financeiro substancial para se dar andamento à criação da Biblioteca de Matemática (Gaz. Mat., n(o) 12 (1942), p. 18).

3- Efervescência da actividade matemática

Mas a actividade da S.P.M. não se limitava a discutir e aprovar propostas da sua Comissão Pedagógica, embora a seriedade de tais propostas fosse, só por si, suficiente para se compreender quando era importante a existência da S.P.M..

Como escreveu António Monteiro num artigo publicado na Gazeta de Matemática, destinado a explicar a origem e o objectivo da secção Movimento Matemático,

"É indiscutível que assistimos hoje a uma verdadeira efervescência de actividades no campo das ciências matemáticas. Demonstram esta afirmação o aparecimento sucessivo, no curto prazo de cinco anos, de : 1(o)) Portugaliae Mathematica, fundada em 1937 ; 2(o)) Seminário Matemático de Lisboa (1938), que toma, em Novembro de 1939, o nome de Seminário de Análise Geral ; 3(o)) Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, fundado pelo 1(o) Grupo do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (1938) ; 4(o)) Gazeta de Matemática, Janeiro de 1939 ; 5(o)) Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura, em Fevereiro de 1940 ; 6(o)) Sociedade Portuguesa de Matemática, Dezembro de 1940 ; 7(o)) Centro de Estudos Matemáticos, do Porto, fundado pelo Instituto para a Alta Cultura em Fevereiro de 1942."

(Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), pp. 25-26).

As instituições criadas, fundamentalmente por iniciativa e perseverança de António Monteiro, sempre coadjuvado por Hugo Ribeiro, Zaluar Nunes, Silva Paulo, Ruy Luís Gomes e outros, não estavam paradas. Em todas elas se trabalhava com entusiasmo e em todas elas, directa ou indirectamente, se reflectia, com maior ou menor intensidade, a acção da Sociedade Portuguesa de Matemática.

Entre as Instituições que documentavam a efervescência, a que António Monteiro aludiu, podia também ser citado o Núcleo de Matemática, Física e Química, instituição criada por António Monteiro, Manuel Valadares, Aurélio Marques da Silva, António da Silveira, Peres de Carvalho e outros, em 1936, precisamente no ano em que António Monteiro regressou a Lisboa após o seu doutoramente em Paris.

Foi o Núcleo que promoveu a realização de vários cursos e conferências, nos últimos anos da década de 30, de Matemática, de Física e de Química. Foi a convite do Núcleo que Ruy Luís Gomes fez, no Instituto Superior Técnico, um conjunto de conferências sobre Teoria da Relatividade, mais tarde publicadas, numa colecção do Núcleo, num volume intitulado Relatividade Restrita.

A realização destas conferências permitiu um contacto maior entre Ruy Luís Gomes e António Monteiro, contacto extraordinariamente fecundo para a intensificação da actividade matemática no Porto.

No artigo citado de António Monteiro, indicam-se outras actividades em preparação, como por exemplo, a publicação do Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, a colecção Publicações da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto, uma outra colecção intitulada Estudos de Matemática.

Com a realização do Seminário de Análise Geral, pretendia António Monteiro, segundo relata Ruy Luís Gomes ([27], p. 30), "iniciar um grupo de jovens no estudo das matemáticas modernas". Desse grupo faziam parte, entre vários outros, Hugo Baptista Ribeiro e José Sebastião e Silva, que viria a ser considerado por António Monteiro, como o maior matemático português.

Com a criação da revista Portugaliae Mathematica, (inicialmente editada por António Monteiro, com a cooperação de Hugo Ribeiro, Silva Paulo e Zaluar Nunes e, a partir do volume 4, também com a cooperação de Ruy Luís Gomes), os matemáticos portugueses passam a dispor, pela primeira vez, de uma revista portuguesa exclusivamente dedicada à publicação de trabalhos originais de investigação matemática.

Com a criação da Gazeta de Matemática, por António Monteiro, Bento Caraça, Silva Paulo, Hugo Ribeiro, e Zaluar Nunes, os professores de Matemática, os estudantes universitários e os candidatos às Escolas Superiores podem ser melhor informados do movimento matemático nacional e internacional, têm ao seu alcance trabalhos de divulgação matemática, de Pedagogia Matemática e de História da Matemática, trechos antológicos escritos por grandes cientistas, informações bibliográficas, informações sobre Cursos, Conferências, Seminários, Colóquios e Reuniões de Estudo, informações sobre exames, etc..

Para os interessados em melhorar a sua preparação matemática, abrem-se perspectivas de o conseguir na medida em que se consiga romper o secular isolamento que tem sido imposto, por períodos tão longos, aos estudiosos portugueses.

Como escreveu Gomes Teixeira, no Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva, lido na Academia das Ciências de Lisboa em 2 de Junho de 1918 ([68], p. 160),

"Nada há mais prejudicial para a ciência de um povo do que o seu isolamento no meio da ciência dos outros povos."

Contra tal isolamento, muitos se têm manifestado. Por exemplo, Dieudonné, no seu livro Abrégé d’Histoire des Mathématiques, diz a certa altura ([11], p. 9) :

"A atracção exercida pelas escolas matemáticas activas e numerosas compreende-se sem dificuldade. Isolado, o jovem matemático depressa se arrisca a ser desencorajado perante a imensidade de uma bibliografia onde vagueia sem bússola."

A mesma afirmação é repetida no seu livro Pour l’honneur de l’esprit humain ([12], p. 27), no final do 1(o) capítulo, intitulado Mathématiques et Mathématiciens.

As instituições nascidas do dinamismo de António Monteiro e seus colaboradores, em especial, a Sociedade Portuguesa de Matemática, contribuíram fortemente para criar a consciência da necessidade de se acabar com o isolamento que, no decorrer dos tempos, tanto prejudicou os trabalhadores científicos portugueses.

Os Centros de Estudos Matemáticos contribuíram para acabar com o isolamento dos matemáticos de uma mesma Escola ou Universidade.

A Gazeta de Matemática contribuiu para acabar com o isolamento de docentes e estudantes de Matemática entre as diversas Escolas e Universidades Portuguesas e para acompanhar o Movimento Matemático de outros países.

A Portugaliae Mathematica contribuiu para acabar com o isolamento dos matemáticos portugueses, de uns em relação aos outros e de todos em relação aos matemáticos de outros países.

A Sociedade Portuguesa de Matemática, contribui para acabar com todas as modalidades de isolamento ; promove a ida de matemáticos portugueses ao estrangeiro e a vinda de matemáticos estrangeiros a Portugal.

Todas estas instituições, e especialmente a Sociedade Portuguesa de Matemática, prestaram ao nosso País um serviço inestimável, quer no plano científico quer no plano humano : no plano científico, na medida em que, rompendo o isolamento, ajudaram a criar condições indispensáveis à melhoria da criação matemática portuguesa ; no plano humano, na medida em que, nascendo numa época em que matemáticos de tantos países foram perseguidos, ajudaram a criar, em todos nós, um sentimento de solidariedade com os matemáticos perseguidos de todo o Mundo.

4- Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa

No Seminário de Análise Geral, ainda antes da fundação do Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, foi realizado um curso sobre Teoria dos Anéis e Ideais, por Mário de Alenquer.

Em 8 de Abril de 1940, cerca de dois meses depois da fundação do Centro, houve duas conferências, a que presidiu Pedro José da Cunha : uma por Hugo Ribeiro sobre Objectivo da Topologia Geral e a outra, por António Monteiro sobre A Importância da Análise Geral.

Estas conferências destinavam-se a informar os interessados do conteúdo do plano de trabalho do Seminário que iria ter lugar no Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa (Gaz. Mat. n(o) 2, Abril de 1940).

Em 15 de Novembro de 1941, iniciaram-se duas séries de conferências que se prolongaram por vários meses.

A primeira série tratou de temas de Algebra e de Teoria dos Números e nela colaboraram João Remy Freire, Orlando Morbey Rodrigues, José Sebastião e Silva, José da Silva Paulo, Augusto Sá da Costa, Gustavo Ramos de Castro, Virgílio Barroso, José Ribeiro de Albuquerque, Mário de Alenquer, Fernando Castro de Oliveira e Hugo Ribeiro.

As primeiras conferências foram feitas por Remy Freire, em 18 e 20 de Novembro, sobre Teoria dos Números ; por Morbey Rodrigues em 25 e 27 de Novembro, também sobre Teoria dos Números ; por Sebastião e Silva, nos dias 2, 4, 9, 11, 16 e 18 de Dezembro, sobre Teoria Clássica de Galois.

As conferências desta série continuaram no ano seguinte. Assim, Sebastião e Silva fez conferências nos dias 13 e 15 de Janeiro de 1942 e nos dias 19, 24 e 26 de Fevereiro e 3 de Março, sobre Teoria dos Grupos Abstractos ; Silva Paulo, nos dias 6 e 13 de Março, sobre Noção de Corpo Abstracto e Corpos Quadráticos e Cúbicos ; Sá da Costa, nos dias 17 e 19 de Março, sobre Corpos Algébricos.

As primeiras conferências da segunda série foram realizados nos dias 15, 22 e 29 de Novembro de 1941 e no dia 6 de Dezembro, por Hugo Ribeiro, sobre a Noção de Vizinhança e o Objectivo da Topologia Geral ; por António Monteiro, em 13 de Dezembro, sobre Conjuntos Fechados e Espaços (F) ; por Silva Paulo, em 16 de Dezembro, sobre Espaços de Kuratowski.

As conferências desta série continuaram ainda em 1942, tendo Hugo Ribeiro, em 10 de Janeiro, falado também sobre Espaços de Kuratowski ; António Monteiro, nos dias 21 e 28 de Fevereiro, sobre Comparação de Topologias ; Sebastião e Silva, no dia 7 de Março, sobre Relativização ; Zaluar Nunes, nos dias 14 e 21 de Março, sobre Funções Contínuas e Homeomorfia.

(Gaz. Mat., n(o)s 9 e 10, Janeiro e Abril de 1942).

Em 23 de Março, começaram os seguintes Colóquios do Seminário de Análise Geral : Estruturas de Lógica Clássica e Intuicionista, por Hugo Ribeiro, sendo o 1(o) colóquio realizado em 23 de Março, Teoria da Medida de Jordan, Lebesgue, Caratheodory e Haar, por Ribeiro de Albuquerque (1(o) Colóquio em 24 de Março) ; Caracterização cardinal, ordinal, topológica, projectiva e euclidiana da linha recta por António Monteiro, (1(o) Colóquio em 26 de Março) ; Fundamentos Modernos do Cálculo das Probabilidades, por Hugo Ribeiro e Zaluar Nunes (1(o) Colóquio em 27de Março).

(Gaz. Mat., n(o) 10, (1942) pp. 27-28).

Houve uma breve interrupção das conferências na segunda quinzena de Janeiro e primeiros dias de Fevereiro. Interrupção apenas aparente - é que nesse período, quem fez conferências foi Maurice Fréchet.

5- Conferências de Maurice Fréchet em Portugal

Por intermédio do Instituto para a Alta Cultura, António Monteiro conseguiu que Maurice Fréchet viesse a Portugal, para contactar com o Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa e fazer conferências.

Foi precisamente sob a direcção de Maurice Fréchet que António Monteiro, bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, trabalhou e se doutorou no Instituto Henri Poincaré, em 1936.

Na Faculdade de Ciências de Lisboa, nos dias 22 e 23 de Janeiro de 1942 e nos dias 2, 4, 5 e 6 de Fevereiro, Maurice Fréchet fez conferências sobre os seguintes temas :

- Les fonctions périodiques, les fonctions presque périodiques et les fonctions assymptotiquement presque périodiques ;

- Applications des fonctions assymptotiquement presque périodiques au théorème ergodique de Birkhoff ;

- Les débuts de la topologie combinatoire ; le théorème d’Euler-Cauchy ;

- La théorie des courbes dans les espaces abstraits très généraux ;

- Types homogènes de dimensions ;

- Le développement d’une fonction continue en série de polynômes dans les espaces abstraits.

Em 26 de Janeiro, no Instituto Francês em Portugal, para um público interessado em filosofia das ciências, fez uma conferência sobre

- Les origines des notions mathématiques.

Este mesmo tema havia já sido objecto de um trabalho de Fréchet, que foi incluído mais tarde no seu livro Les Mathématiques et le Concret ([13], pp. 11-44), publicado em 1955 na Colecção Philosophie de la Matière, dirigida por Raymond Bayer, professor de Filosofia Geral na Sorbonne.

Este trabalho constituía o começo de um relatório preparado para ser presente aos Premiers entretiens de Zurich, consagrados de 6 a 9 de Dezembro de 1938, a "L’étude des fondements et de la méthode dans les Sciences mathématiques". Extractos deste relatório foram publicados nos Comptes Rendus dos "entretiens". Na sequência da leitura destes extractos, travou-se uma discussão em que tomaram parte, além de Fréchet, os professores Enriques, Bernays, Lukasiewicz, Lebesgue e ainda Gonseth, que presidiu ao debate.

O livro Les Mathématiques et le Concret reproduz a discussão suscitada ([13], pp. 45-51).

Entre 26 de Janeiro e 2 de Fevereiro, Maurice Fréchet fez em Coimbra uma conferência sobre o tema

- Les diverses définitions de l’aire

e duas conferências no Porto intituladas

- Caractérisation topologique du segment de la droite, de la demi-droite et du cercle ;

- Le déterminant de Wronski et son intervention dans un paradoxe mécanique.

A Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Matemática, aproveitando a presença de Maurice Fréchet em Portugal, resolveu prestar-lhe homenagem, aprovando por unanimidade a seguinte proposta apresentada pela Direcção :

"A Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática, reconhecendo :

1(o)- a influência profunda exercida pelas concepções do Senhor Maurice Fréchet, no movimento matemático contemporâneo ;

2(o)- que a criação de uma teoria dos espaços abstractos, por este ilustre matemático, no início do século, foi o ponto de partida necessário para o desenvolvimento de numerosas teorias matemáticas em pleno florescimento nos nossos dias ;

3(o)- que as teorias abstractas de que Maurice Fréchet foi um dos primeiros pioneiros, permitiram realizar nos últimos trinta anos um gigantesco trabalho de síntese e de clarificação das ciências matemáticas ;

4(o)- que a obra de Maurice Fréchet realizada nos mais variados campos das matemáticas puras e aplicadas é um monumento à glória do espírito construtivo do Homem ;

propõe, pela primeira vez,

a atribuição do título de sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Matemática ao Senhor Maurice Fréchet, Professor da Faculdade de Ciências de Paris, como homenagem prestada pela Sociedade Portuguesa de Matemática à sua obra científica."

(Gaz. Mat., n(o) 9 (1942), p. 12).

A sessão em que Maurice Fréchet foi recebido como sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Matemática foi presidida por Pedro José da Cunha e realizou-se em 17 de Janeiro.

(Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), p. 29).

6- Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia

A criação do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, em 1938, resultou de uma proposta apresentada pelos professores Bento de Jesus Caraça, Aureliano de Mira Fernandes e Caetano Maria Beirão da Veiga, ao Conselho Escolar do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.

Nesse mesmo ano, Zaluar Nunes iniciou nesse Centro um curso de Cálculo das Probabilidades e Estatística Matemática que se prolongou por 1939.

Em 1939-1940, realizou-se no Centro um conjunto de Colóquios sobre Seguros, com a colaboração dos actuários Drs. Rinaldo Feliz Campião, Noronha, Castanheira Nunes e outros. Esta actividade foi dirigida pelo Dr. Rinaldo Campião.

Em 1941-1942, iniciou-se um curso livre de Introdução à Economia Matemática Clássica, a cargo do Assistente Augusto de Macedo Sá da Costa.

Em ligação com este tema, tem interesse um pequeno artigo de A. Sá da Costa e J. Remy Freire, publicado na Gaz. Mat. n(o) 11 (1942), p. 14, intitulado Economia Matemática Clássica.

Depois de se referirem ao aparecimento de numerosas teorias e escolas económicas, resultantes da necessidade de uma revisão das doutrinas económicas em consequência das prolongadas convulsões sociais ocorridas na primeira metade do século XIX, os autores referem-se à escola matemática, cuja constituição se pode localizar na segunda metade do século XIX e referem-se também, naturalmente, às esperanças que muitos depositaram nessa escola, sem atenderem às condições em que a respectiva teoria foi formulada.

E mais adiante, esclarecem :

"d) Não poderá falar-se de inaptidão do instrumento matemático, porque não foram esgotadas as suas possibilidades. A causa do insucesso da economia matemática clássica talvez se encontre na forma como foram estabelecidos os contactos entre o instrumento e o objecto, já o afirmou alguém.

e) A estacionaridade de uma teoria que não logrou da realidade confirmação, não reteve a atenção de grande número de estudiosos e nem sequer alcançou, como Teoria, progressos notáveis desde a sua constituição, não legitimará uma mudança radical de orientação ? E não deverá ser determinada essa mudança pela exploração das possibilidades do instrumento e simultâneo estudo do objecto a afeiçoar ?

É para esse objectivo que convergem as atenções do Centro e desta atitude resultará o programa de trabalhos do ano próximo."

(Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), pp. 28-29 e n(o) 11 (1942), p. 14).

Revista de Economia, vol. 1, fasc. 1 (1948), p. 38).

7- Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto

Em Novembro de 1941, realizaram-se na Faculdade de Ciências do Porto, a convite da Secção de Matemática, duas conferências que despertaram um grande interesse, uma por António Monteiro, sobre Introdução à Topologia Geral e outra, por Manuel Valadares, sobre Os novos Elementos da Família do Rádio.

Logo depois dessas conferências, iniciaram-se dois cursos livres : um, sobre Teoria dos Grupos e suas Aplicações à Física Quântica, por António Almeida Costa, então Professor Extraordinário da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto ; o outro, sobre Cálculo Tensorial e algumas das suas Aplicações, por Manuel Gonçalves Miranda, então Assistente de Matemática da mesma Faculdade.

O primeiro foi seguido por docentes e alguns estudantes do Curso de Matemática e ainda por docentes de Física e de Mineralogia ; o segundo, também muito frequentado por, sobretudo, docentes de Matemática e de Física.

Novamente, por iniciativa da secção de Matemática, em 22 e 23 de Janeiro de 1942, Aurélio Marques da Silva, da Faculdade de Ciências de Lisboa, foi ao Porto fazer duas conferências : a primeira sobre A Materialização da Energia e a segunda sobre A Fissão dos Núcleos.

Estes cursos e conferências promovidos pela Secção de Matemática entusiasmaram vivamente alguns docentes e estudantes, que entenderam que algo de novo e fecundo estava finalmente abalando a rotina universitária.

Numa nota publicada por Ruy Luís Gomes na Gaz. Mat., n(o) 9 (1942), pp. 13-14), depois de relatar algumas actividades que estavam sendo entusiasticamente desenvolvidas no Porto, pode ler-se o seguinte :

"É natural, no entanto, perguntar-se qual foi o pensamento da Secção de Matemática ao tomar a iniciativa destes cursos e conferências, a integrar num plano de conjunto que engloba não só a Matemática, mas igualmente a Física e mesmo a Biologia.

Que objectivos pretendemos nós atingir ?

Por um lado, no plano científico, temos a intenção de facilitar aos estudiosos as técnicas e as vias de acesso aos problemas de maior actualidade, da Matemática e das suas Aplicações. Por outro, desejamos integrar os problemas da Matemática no movimento geral da Ciência, numa primeira tentativa de sistematização das íntimas relações que hoje existem entre os três domínios - o da Matemática, o da Física e o da Biologia. Finalmente, num plano ético, desejamos criar um ambiente de trabalho, um "clima" e um estímulo, como resultante da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva : a de que pertencemos a uma Universidade."

Comentando estas palavras de Ruy Luís Gomes, escreveu António Monteiro (Gaz. Mat., n(o) 10 (1942), p. 27) :

"Palavras necessárias, num meio como o nosso, em que tantas vezes o interesse imediato de cada um se sobrepõe injustificadamente à realização de tarefas culturais mais urgentes e mais necessárias ; num meio em que a indiferença (e por vezes, a hostilidade aberta ou mal dissimulada) perante o trabalho de investigação científica constitui um método de acção retardadora do progresso cultural do país."

E Ruy Luís Gomes, na nota a que nos referimos, acrescentou :

"Num momento em que, por toda a parte, se proclama o sentido místico do trabalho e em que a própria inteligência é avaliada em função das suas realizações efectivas e não como um somatório de possibilidades, a Secção de Matemática entendeu que era do seu dever animar e promover a realização de um plano de trabalho em conjunto.

Polarizando a nossa atenção em alguns problemas da actualidade dentro do grande movimento da Matemática e convivendo com especialistas das outras ciências, vamos ajudar-nos mutuamente "raciocinando em voz alta" sobre aqueles pontos que formos estudando com cuidado e interesse.

E com uma originalidade mais ou menos marcada e com um maior ou menor poder de sistematização, conforme a maneira de ser de cada um de nós, todos podemos viver com igual intensidade esta afirmação colectiva de tenacidade e de solidariedade."

Em carta de 14 de Fevereiro de 1942, endereçada ao Presidente do Instituto para a Alta Cultura, Ruy Luís Gomes referia-se à iniciativa da Secção de Matemática de organizar cursos especiais e conferências de introdução à Física Teórica. Assim, estavam sendo ministrados os cursos a que já nos referimos, de Teoria dos Grupos e Cálculo Tensorial, por Almeida Costa e Manuel Miranda, respectivamente.

Ruy Luís Gomes mencionava também as conferências de António Monteiro, Manuel Valadares e Marques da Silva e informava que estavam já convidados os professores Vicente Gonçalves e Bento Caraça, para fazerem conferências de Matemática.

A carta terminava por pedir um subsídio de 5000 escudos para satisfazer encargos já contraídos e realizar o que já estava projectado. Conforme foi comunicado em 11 de Abril pelo Secretário do Instituto para a Alta Cultura, Dr. António de Medeiros Gouveia, o subsídio foi concedido.

No princípio de Maio, Bento Caraça deslocou-se ao Porto, já com o apoio do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, criado em Fevereiro de 1942, e fez duas conferências subordinadas ao tema Aspectos do Conceito de Infinito. Na primeira conferência, em 1 de Maio, pôs em relevo, sobretudo, os aspectos históricos do conceito de infinito e, na segunda conferência, em 2 de Maio, tratou dos aspectos filosóficos e matemáticos.

Ambas as conferências tiveram que ser realizadas no maior anfiteatro da Faculdade de Ciências do Porto, dado o grande número de pessoas que acorreram à Faculdade, mobilizadas pelo interesse do tema e pela personalidade do conferencista.

No Relatório de fim de ano de 1942, enviado por Ruy Luís Gomes ao Instituto para a Alta Cultura, diz-se que :

"estas conferências despertaram um interesse excepcional chamando a atenção dos estudiosos para as Antinomias da Teoria dos Conjuntos, a Axiomática de Zermelo, e, em última análise, o problema dos Fundamentos da Matemática."

Num artigo intitulado Duas Lições na Universidade do Porto, da autoria de Alfredo Pereira Gomes e Luís Neves Real, publicado no quinzenário cultural Horizonte, relata-se o que foram as conferências de Bento Caraça e o aplauso que mereceram ao invulgarmente grande número de pessoas que a elas assistiram - universitários e não universitários.

Estas conferências documentam brilhantemente a efervescência da actividade matemática, a que, com tanta propriedade, se referiu António Monteiro.

8- Centro de Estudos Matemáticos do Porto

Como acima dissemos, as conferências de Bento Caraça, no Porto, tiveram já o apoio do Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

Como nasceu este Centro ?

Em 11 de Outubro de 1941, Ruy Luís Gomes dirigiu ao Dr. Celestino da Costa, então Presidente do Instituto para a Alta Cultura, uma carta em que, pelo facto de o Conselho Escolar da Faculdade de Ciências do Porto ir, dentro em pouco, ocupar-se da distribuição de serviço aos Assistentes, entendia ser chegado o momento de retomar um problema que já em tempos lhe havia posto directamente em Lisboa.

O problema dizia respeito ao Assistente Manuel Pereira de Barros, a quem o Instituto para a Alta Cultura (I.P.A.C.) havia, em 1939, concedido uma bolsa de estudos a fim de ir trabalhar para um Observatório Astronómico da Bélgica, mas tal bolsa não foi utilizada, em consequência do deflagrar da 2(a) Grande Guerra Mundial. Ora, o Assistente Manuel Barros teve, em anos anteriores, o encargo de dar mais de trinta horas de aulas práticas por semana, nas disciplinas de Astronomia, Aperfeiçoamento de Astronomia, Topografia, Geodesia, Geometria Descritiva e Desenho de Máquinas.

Ruy Luís Gomes, sempre atento às condições de trabalho dos Assistentes, dizia nessa carta, a respeito de Manuel Barros :

"Além de todo este serviço, já de si esgotante, tem dedicado uma atenção invulgar à instalação do Gabinete de Astronomia, projectou e desenhou um Zigómetro (construído aqui no Porto e já instalado no Observatório da Serra do Pilar), um aparelho para medir a equação pessoal (em construção), um Micrómetro Impessoal e o comando mecânico para esse Micrómetro ; e até tem feito de mecânico-conservador, pois o Gabinete de Astronomia não possui sequer um.

Dadas estas circunstâncias, é evidente que não lhe fica tempo algum para a sua formação de Astrónomo, como é seu desejo, como é do interesse imediato da Faculdade e para o que não lhe faltam a vocação nem o entusiasmo.

Mas, por outro lado, não pode a Faculdade deixar de lhe distribuir todas aquelas horas de serviço, criando-lhe melhores condições de trabalho, sem afectar gravemente a base em que assenta a sua economia particular de Chefe de Família, com Mulher e Filhos.

E neste círculo vicioso se perde um dos Assistentes em que a Secção de Matemática mais esperanças podia vir a ter para a valorização dos seus quadros futuros.

Há, portanto, que quebrar este círculo e é precisamente no sentido de o conseguir que me dirijo a V. Ex(a).

Uma solução que ocorre imediatamente é a de o I.P.A.C. conceder um subsídio que nos permita libertar aquele Assistente, já este ano, de uma parte do serviço de aulas práticas de que tem estado encarregado.

Uma outra seria a de criar aqui, na Faculdade, um Centro de Estudos de Matemática, com uma dotação que nos permita enfrentar problemas como aquele que acabamos de expor a V. Ex(a).

Esta segunda solução, de um alcance prático muito maior, teria ainda a vantagem de ficar localizada nesse Centro a responsabilidade moral pelo rendimento de trabalho de todos os que viessem a beneficiar dos respectivos subsídios".

E a terminar, Ruy Luís Gomes insiste ainda :

"V. Ex(a), pela alta função que ocupa, tem vivido dezenas de problemas idênticos e está, portanto, em condições de compreender melhor que ninguém, o que tem de doloroso para todos nós, professores, o saber que, de outro modo, se perdem os nossos melhores valores e se compromete, gradual mas fatalmente, a nossa maior e mais legítima aspiração - a de elevar a Faculdade à categoria de verdadeira Escola."

O Instituto para a Alta Cultura (honra lhe seja !) optou efectivamente pela melhor das sugestões apresentadas e, em 18 de Fevereiro de 1942, o Secretário do Instituto enviou ao Director do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, Ruy Luís Gomes, um ofício solicitando-lhe o envio, com a possível urgência, de

"um plano de trabalhos a realizar no Centro da mui digna direcção de V. Ex(a), com indicação das tarefas que V. Ex(a) tenciona distribuir a cada um dos seus bolseiros."

Conforme Ruy Luis Gomes declara no seu artigo intitulado Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma Escola de Matemática (Boletim da S.P.M., n(o) 6 (1983), pp. 31-32),

"Esse plano (que fez parte de um volumoso arquivo carinhosamente conservado durante quarenta anos pelo nosso mais antigo colaborador e querido amigo, Luís Neves Real), contém os projectos de trabalho de sete pessoas ligadas ao Centro - António Monteiro, António de Almeida Costa, Ruy Luis Gomes, Luis Neves Real, Manuel Gonçalves Miranda, Manuel Pereira de Barros e Alfredo Pereira Gomes.

Foi a partir deste grupo de colaboradores que o Centro de Estudos Matemáticos do Porto iniciou a sua aventura e julgo não exagerar dizendo que os temas em que trabalhávamos eram temas de grande actualidade."

Com efeito, o plano elaborado compreendia os seguintes projectos de trabalho :

a) Luís Neves Real : Teoria geral dos sistemas dinâmicos. O princípio ergódico. Sistemas ergódicos. Problema a investigar : Aplicação da Teoria da Medida ao estudo dos teoremas ergódicos.

b) Manuel Pereira de Barros : Estudo do movimento do Polo sobre a superfície da Terra. Determinação da latitude do Observatório da Serra do Pilar (as observações serão feitas em Junho e Julho do ano corrente). Ensaio do aparelho para medir a equação pessoal, que deve ser entregue brevemente ao Gabinete de Astronomia.

c) Manuel Gonçalves Miranda : Realização do curso de Elementos de Cálculo Tensorial. I) Coordenadas Cartesianas Ortogonais. Definição de tensor, operações. Tensores gerados por formas invariantes. Simetria e hemi-simetria. Tensores de 2(a) ordem. II) Variáveis quaisquer. Definição geral de tensor. Operações algébricas. Derivação segundo uma ou mais formas quadráticas ; casos particulares. Propriedades. Extensão a sistemas não tensoriais. Definição geral de derivada tensorial. Símbolos de Riemann. Aplicações. Problemas a investigar : Tensores hemi-simétricos. Operações. Caso particular : espaço de Minkowski. Representações matriciais desses tensores ; comparações dessas representações. Spinores. Aplicações à Física.

d) António de Almeida Costa : Realização do Curso de Elementos da Teoria dos grupos. I) Postulados. Subgrupos. Grupos cíclicos. Divisores normais. Homomorfias. Grupo factor. Grupo comutador. Teoremas da Homomorfia e da Isomorfia. Produtos directos. Grupos completamente redutíveis. Grupos abelianos finitos. Séries normais e de composição. Grupos com a condição dupla de cadeia. Grupos resolúveis. Grupos transitivos e imprimitivos. Grupos com operadores. Grupos abelianos com uma base finita. II) Elementos da Teoria das Matrizes e da Representação dos Grupos. Construção do espaço linear. Espaço de Hermite. Representação de um grupo por matrizes. Representações unitárias. Matrizes comutáveis com as matrizes de uma representação. III) Problemas a investigar : Grupos abelianos com um número finito de elementos geradores e com domínios operatórios similares de diferentes tipos. A dimensionalidade do grupo nos diferentes casos.

e) Ruy Luis Gomes : Aplicações de resultados que anteriormente obteve, à decomposição de uma função aditiva de intervalo ou de uma função aditiva de conjunto na soma integral da sua derivada com uma função singular aditiva. Teoria dos Operadors Lineares e a sua aplicação à Mecânica Quântica.

f) António Aniceto Monteiro : Realização de um curso sobre Funções de conjunto e seus invariantes.

- Espaços (V). Caracterizações axiomáticas. Condição necessária e suficiente para que um espaço (V) seja determinado pela família F dos seus conjuntos fechados.

- Anéis de conjuntos e corpos de conjuntos. Quase-ordem. Sistemas parcialmente ordenados. Caracterizações Topológicas de Birkhoff e Tucker. Estruturas. Algebras de Boole.

- Sistemas parcialmente ordenados topológicos e propriedades da família dos seus conjuntos fechados.

- Noção de função contínua e de homeomorfia no espaço (V). Espaços de Sierpinski. Sistemas parcialmente ordenados topológicos e estruturas topológicas.

9- Um curso de António Monteiro no Porto

A inclusão de um projecto de trabalho de António Monteiro no plano do Centro de Estudos Matemáticos do Porto é justificada por Ruy Luis Gomes na carta que enviou ao Secretário do Instituto para a Alta Cultura acompanhando o plano do Centro, em 24 de Março de 1942. A carta começa por dizer que :

"A natureza dos trabalhos da maioria daqueles que vão agrupar-se, desde já, neste Centro de Estudos, e as próprias características da Universidade a que pertencemos orientam a nossa actividade, de preferência para as Matemáticas Aplicadas, nomeadamente a Mecânica, a Física Matemática e a Astronomia".

Esclarece, no entanto, que

"não é possível abordar as questões de maior interesse que aí se apresentam, sem uma formação especializada, que tem de abranger algumas das mais recentes aquisições da Algebra e da Análise"

e por isso,

"torna-se indispensável dedicar uma parte importante da actividade do Centro a um trabalho de preparação, quero dizer, de Introdução às Matemáticas Aplicadas, por maneira a dar, aos nossos bolseiros, o domínio de certas técnicas e, consequentemente, a possibilidade de aprenderem o sentido dos problemas de Mecânica e Física Matemática de que se ocupam actualmente os investigadores.

O trabalho a empreender este ano aparece assim subordinado a um duplo objectivo.

a) Integrar num plano de conjunto a actividade daqueles elementos que possuam certo grau de especialização ;

b) Facilitar a todos os nossos bolseiros a formação especializada que lhes é necessária para depois se poderem dedicar com probabilidades de êxito à investigação científica no domínio das Matemáticas Aplicadas."

E Ruy Luis Gomes acrescenta, na sua carta :

"No plano de trabalho assim orientado está incluído um curso de Topologia, pelo Doutor António Aniceto Monteiro. Na verdade, só ele se encontra em condições de poder dirigir os nossos bolseiros no domínio da Topologia ; e a sua presença aqui, não para uma simples conferência, mas sim para um curso, será de um alcance extraordinário para toda a actividade futura do Centro."

A carta terminava por pedir meios materiais para a realização do plano enviado, o que, de facto, veio a ser concedido.

Do plano de trabalho enviado ao Instituto para a Alta Cultura não consta o projecto de Alfredo Pereira Gomes, contrariamente ao afirmado por Ruy Luis Gomes no trecho que atrás citámos, de Tentativas feitas nos anos 40 para criar no Porto uma Escola de Matemática. Tal projecto não o encontrámos no arquivo de Neves Real. Mas consta desse arquivo o projecto de trabalho de Alfredo Pereira Gomes para 1943, que contém os pontos seguintes :

- Redigir o curso Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua, ministrado por António Monteiro, a ser publicado pelo Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

- Estudar as relações entre as propriedades da classe C, de todas as funções contínuas num espaço topológico, e as propriedades deste espaço.

- Generalizar para operadores dilatadores, definidos em sistemas quase ordenados, certos resultados obtidos por António Monteiro e Hugo Ribeiro para operadores de fecho definidos em sistemas parcialmente ordenados.

Não sei se Ruy Luís Gomes se não teria enganado ao dizer ([27], p. 32) que o plano enviado ao Instituto para a Alta Cultura, dos trabalhos a realizar ainda em 1942, continha um plano de Alfredo Pereira Gomes. Mas o certo é que não se enganou ao dizer que foi a partir de um grupo de colaboradores a que pertencia Alfredo Pereira Gomes, que o Centro de Estudos Matemáticos do Porto iniciou aquilo a que Ruy Luís Gomes chamou "a sua aventura".

O convite a António Monteiro para ministrar o curso Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua foi feito em Julho de 1942 e o curso foi realizado no curto período de 23 de Outubro a 7 de Novembro do mesmo ano. É natural que todo o tempo disponível de Alfredo Pereira Gomes fosse absorvido, primeiramente pelos preparativos para que o curso pudesse vir a ser realizado, e depois, pela reunião e organização dos elementos necessários à sua realização, tanto mais que, conforme Monteiro declara no prefácio do livro Introdução ao Estudo da Noção de Função Contínua,

"A possibilidade de publicar essas lições deve-se quase exclusivamente à iniciativa e dedicação do Dr. Pereira Gomes, que as sistematizou e refundiu em novos moldes - sem lhes alterar o programa, mas introduzindo notáveis aperfeiçoamentos na exposição."

O livro foi publicado em 1944.

A sistematização e refundição em novos moldes, os notáveis aperfeiçoamentos levados a cabo por Pereira Gomes contribuíram decididamente para que E.R. Lorch, que fez a recensão do trabalho para Mathematical Reviews, vol. 6 (1945), pp. 94-95, pudesse afirmar que este texto devia servir, para estudantes graduados avançados, como uma útil introdução a certos tipos de abstracção e a métodos de generalização matemática.

E, em seguida, E.R. Lorch acrescenta :

"Deste ponto de vista, o desenvolvimento do assunto é feito com grande cuidado e os resultados parecem ser muito satisfatórios."

Não há dúvida de que, pelo menos no Porto, alguns estudantes e licenciados na década de 40, interessados em melhorar a sua formação matemática, recorreram, com frequência e com proveito, ao livro de António Monteiro e Alfredo Pereira Gomes.

CAPITULO II

A EFERVESCÊNCIA ATINGE TAMBÉM A FÍSICA

1- Guido Beck em Coimbra

Por iniciativa de professores e assistentes da Faculdade de Ciências de Coimbra, iniciou-se, em 21 de Fevereiro de 1942, uma série de conferências, subordinadas ao título geral de Introdução Física e Filosófica à Teoria dos Quanta. Docentes de Física e de Matemática colaboram neste conjunto de conferências. Assim, entre os colaboradores, contam-se : Guido Beck, Pacheco de Amorim, Manuel dos Reis, Mário Silva, Vicente Gonçalves, Couceiro da Costa, Almeida Santos, Jorge Gouveia, António Júdice, Rodrigues Martins e Magalhães Vilhena.

O programa de trabalhos compreende :

A) Introdução Física. 1- O problema da Física Teórica. 2- Diferentes aspectos da mecânica clássica. 3- Evolução da electrodinâmica clássica. 4- Aparelhagem matemática da Teoria dos Quanta. 5- Mecânica Quântica. 6- Electrodinâmica Quântica. 7- Bases experimentais da Física Quântica.

B) Introdução Filosófica. 1- Ciência e epistemologia. 2- Conhecimento e realidade. 3- Espaço e Tempo. 4- Causalidade e determinismo. 5- Fundamento da Indução. 6- Razão e experiência.

Esta informação está contida numa nota publicada na Gaz. Mat. n(o) 10 (1942), p. 27, pelo primeiro Secretário-Geral da S.P.M., António Monteiro, que não esconde o seu entusiasmo, escrevendo :

"O trabalho em grupo começa a generalizar-se em Portugal, o que revela consciência dos métodos modernos de organização do trabalho científico. A Gazeta de Matemática felicita vivamente a Faculdade de Ciências de Coimbra por esta iniciativa."

2- Centro de Estudos de Física de Lisboa

A presença de Guido Beck em Portugal não podia deixar de chamar a atenção dos físícos que trabalhavam no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa e, em especial, de Manuel Valadares, que, num pequeno artigo publicado na Gazeta de Matemática, n(o) 10, p. 28, informa que

"Aproveitando a estadia do Prof. Guido Beck em Portugal, o Centro de Física do I.A.C., que funciona anexo à Faculdade de Ciências de Lisboa, convidou, com o apoio da direcção desta, o referido professor a realizar um curso sob a designação geral de Introduction à la Théorie des Quanta."

Como preparação para esse curso, foi resolvido levar a efeito, uma série de lições de Matemática e de Física. Em Janeiro de 1942, realizaram-se as seguintes ;

- Duas lições por F.Veiga de Oliveira, sobre :

As equações da dinâmica do ponto (equação de Newton, equações de Lagrange, equações canónicas de Hamilton, equações canónicas de Hamilton-Jacobi às derivadas parciais).

- Uma lição por A. Marques da Silva, sobre :

As equações de Maxwell. As fórmulas de transformação de Lorentz. As expressões relativistas da energia cinética de um ponto material.

- Duas lições por Zaluar Nunes, sobre :

Elementos da teoria das matrizes. Redução à forma canónica.

- Uma lição por António Monteiro, sobre :

Espaço abstracto de Hilbert. Desnvolvimento em série de funções ortogonais e normais.

- Uma lição por Armando Gibert, sobre :

Equação das cordas vibrantes.

- Duas lições por Mário de Alenquer sobre :

Estudo dos polinómios de Legendre, polinómios de Hermite, funções esféricas, funções de Bessel, polinómios de Laguerre.

Foi entusástica a colaboração de matemáticos e físicos neste conjunto de lições. Por isso, Manuel Valadares podia afirmar, no seu artigo, que

"Havia um grande interesse em seguir o curso do Prof. Guido Beck, interesse plenamente justificado pela sua obra científica e pelas funções docentes que desempenhou : assistente nas Universidades de Viena e Leipzig, encarregado de curso na Universidade de Praga, professor de Física Matemática na Universidade de Kansas (América). O professor Guido Beck trabalhou com alguns dos maiores físicos contemporâneos : Heisenberg, Rutherford, Bohr, Irène Joliot-Curie."

No entanto, por motivos que não foram claramente explicitados no artigo de Valadares,

"O curso de Introduction à la Théorie des Quanta devia ter-se efectuado durante os meses de Fevereiro e Março. Actuações independentes da vontade do Prof. Guido Beck, do centro de Física e da Faculdade de Ciências de Lisboa impediram a sua realização."

3- O curso de Guido Beck e a actividade desenvolvida no Seminário de Física Teórica anexo ao C.E.M. do Porto

Conseguiu-se que esse curso viesse a ser feito no Porto, em Julho de 1942.

Em 3 de Julho, Ruy Luís Gomes dirigiu um ofício ao Dr. António de Medeiros Gouveia, Secretário do I.A.C. que começava por dizer que

"No sentido de intensificar os trabalhos deste Centro no domínio da Física-Matemática, lembrava-me de convidar o Dr. Guido Beck a realizar, no mês de Julho corrente, um curso de Introdução à Mecânica Quântica."

e terminava por

"Pedia a V. Ex(a) se dignasse propor superiormente que fosse concedido a este Centro, como subsídio para realização daquele curso, a verba de 2000$00 (dois mil escudos)."

A verba foi concedida, o curso foi realizado e o programa foi o seguinte :

1) La cinématique d’une grandeur quantique.

2) Le schéma mathématique de la mécanique quantique.

3) Les relations d’incertitude et la mécanique quantique.

4) La transformation de l’énergie sur axes principales.

5) Le spin de l’électron.

6) Les équations de DIRAC.

7) La quantification des équations du champ.

8) La théorie de la radiation.

9) Le champ propre de l’électron.

10) L’interaction entre deux électrons.

Conseguiu-se também que Guido Beck assumisse a direcção do Seminário de Física Teórica que se havia fundado, anexo no Centro de Estudos Matemáticos do Porto.

A Gazeta de Matemática (n(o) 12 (1942), p. 20) anunciava :

"Começam no dia 10 de Outubro os trabalhos do Seminário de Física Teórica, integrado no C.E.M. da Universidade do Porto. Estes trabalhos serão orientados pelo Dr. Guido Beck e neles tomarão uma parte activa os Assistentes Fernandes de Sá (F.C. do Porto) e Rodrigues Martins (F.C. de Coimbra). Na primeira sessão, o Dr. Guido Beck traçará o plano de trabalhos a realizar e iniciará uma exposição sobre o estado actual da Teoria das Forças Nucleares. Numa das sessões seguintes contamos com uma comunicação do Prof. Dr. Mário Silva, da Universidade de Coimbra."

Mas no número seguinte (Gaz. Mat., n(o) 13 (1943), p. 16), numa pequena nota de Alfredo Pereira Gomes, pode ler-se :

"Anuncia-se, para o começo do próximo ano, a vinda do Prof. Alexandre Proca, nome bem conhecido no domínio da Física e um dos investigadores do Instituto de Henri Poincaré de Paris.

Ficará deste modo assegurada a continuidade dos trabalhos do Seminário de Física Teórica anexo ao C.E.M. da Universidade do Porto, que sob a orientação do Dr. Guido Beck tem realizado uma obra útil, tanto no domínio da investigação como no da actualização.

O Dr. Guido Beck tem-se ocupado de alguns sistemas de operadores diferenciais que se deduzem das equações de Dirac ; um desses sistemas está em relação com o fenómeno da produção dos pares ; outro constitui uma generalização das equações de Maxwell no vazio.

O Assistente Rodrigues Martins, da Faculdade de Ciências de Coimbra fez uma exposição sobre os dados experimentais que servem de base às modernas concepções das forças nucleares.

O Prof. Ruy Luís Gomes fez uma comunicação sobre a noção de probabilidade em Mecânica Quântica.

O Assistente Fernandes de Sá, da Faculdade de Ciências do Porto, estuda o problema do comportamento das grandezas físicas relativamente a uma transformação de Lorentz, segundo a teoria de Dirac."

Numa outra nota de Alfredo Pereira Gomes (Gaz. Mat., n(o) 14, p.13) refere-se que Fernandes de Sá fez duas comunicações sobre resultados que obteve no trabalho que vem realizando no Seminário de Física Teórica, sob a orientação de Guido Beck :

"Na 1(a) comunicação, Microestrutura geométrica do espaço-tempo electrónico, definiu-se uma geometria do espaço métrico que no caso de 4 dimensões permite uma nova interpretação para as equações de Dirac da cinemática do electrão.

(...)

Na 2(a) comunicação, Transformações relativistas das grandezas quânticas, estudou-se o comportamento das formas bilineares e das matrizes em rotações espaciais e em transformações de Lorentz gerais ; representam spinores e soluções matrizes da equação de Dirac, M é uma matriz do sistema base."

Outras exposições e comunicações foram feitas no Seminário de Física Teórica, orientado por Guido Beck.

No relatório da Actividade Científica do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, no ano de 1942, enviado por Ruy Luis Gomes ao Instituto para a Alta Cultura, diz-se a certa altura :

"O doutor Guido Beck, físico teórico de grandes recursos, tem prestado serviços inestimáveis neste ramo científico de tanta actualidade [Teoria dos Quanta]. Se se demorar por mais algum tempo entre nós, conseguirá, por certo, criar um verdadeiro núcleo de trabalho de Física Teórica."

Ruy Luís Gomes, no seu artigo "Tentativas feitas nos anos 40...", ao referir-se ao trabalho de Guido Beck no Seminário de Física Teórica, menciona que :

"Rodrigues Martins concluiu o seu doutoramento sob a orientação de Guido Beck, com uma tese "Sobre as influências da inversão do spin nos fenómenos nucleares".

Quanto a Fernandes de Sá, é o próprio Guido Beck que no artigo Field Concepts in Quantum Theory [Review of Modern Physics, vol. 17, n(o) 2 and 3, 187-194, April-July, 1945] dá a sua tese como publicada no Porto em 1943, mas não nos foi possível localizar nenhum exemplar, mesmo manuscrito.

Naquele mesmo artigo de Guido Beck, há todo um parágrafo dedicado às Fernandes de Sá’s Relations, o que confirma o valor dos resultados a que chegara o malogrado físico português."

Na verdade, segundo informação que nos foi prestada pelo Professor Moreira de Araújo, ficámos sabendo que Fernandes de Sá não prestou provas de doutoramento nem publicou a tese que teria elaborado ; concorreu a uma vaga de Professor de Desenho da Faculdade de Ciências do Porto, vaga que ocupou em Setembro de 1943.

E Ruy Luís Gomes termina as referências a Guido Beck, recordando :

"Em 1943, Guido Beck viu-se forçado a sair do Porto, e depois de um período de residência fixa nas Caldas da Raínha, conseguiu partir para a Argentina e lá trabalhou no Observatório de Córdoba. Mais tarde, fixou-se no Brasil, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas de Rio de Janeiro, (...)."

Forçaram Guido Beck a sair do Porto e fixaram-lhe residência nas Caldas da Raínha ; mas não conseguiram que Guido Beck deixasse de trabalhar em Física nem conseguiram então acabar com a efervescência que se criou no Centro de Estudos Matemáticos do Porto e, particularmente, no Seminário de Física Teórica.

4- Alexandre Proca dirige o Seminário de Física Teórica

O n(o) 16 de Gazeta de Matemática, de Julho de 1943, deu a notícia da chegada a Portugal, do Prof. Alexandre Proca, que assumiu a direcção do Seminário de Física Teórica, para continuar a obra iniciada pelo Prof. Guido Beck, que, nessa altura, já se encontrava a trabalhar no Observatório Astronómico de Córdoba.

Na Gazeta de Matemática, n(o) 17 (1943), p. 20, pode ler-se que iriam realizar-se no Seminário de Física Teórica um conjunto de sessões dedicadas ao Estudo teórico geral das partículas elementares.

Na primeira sessão, realizada em 29 de Outubro, Proca tratou de Les particules élémentaires (Position du Problème. Méthodes d’attaque. Principes fondamentaux des mécaniques nouvelles).

A segunda sessão foi realizada em 5 de Novembro e Proca tratou de Rappel de quelques notions fondamentales de Mécanique Ondulatoire : théorie générale, opérateurs, matrices, grandeurs observables, probabilités.

Na nota de Alfredo Pereira Gomes, publicada no n(o) 18 da Gazeta, pp. 14-15 (Janeiro de 1944) regista-se a colaboração do Assistente Carlos Braga, com uma comunicação sobre As partículas elementares do ponto de vista experimental e um conjunto de quatro lições do Prof. Sarmento de Beiras sobre os temas :

I)- Equações de Lagrange, princípio de Hamilton e princípio da menor acção ;

II)- Teoria de Hamilton-Jacobi ;

III)- Equações de Maxwell, propagação das ondas ;

IV)- Trem de rodas, velocidade de grupo ; onda associada a um corpúsculo.

Em sessões especialmente dedicadas aos colaboradores do Semínário, Proca fez uma análise de duas memórias originais : uma de Belifante e outra de Iskraut.

5- Prémio Nacional Gomes Teixeira

Merece um destaque especial um trecho do artigo de Ruy Luís Gomes,"Tentativas feitas nos anos 40 ...", que diz o seguinte :

" O jovem Fernando Soares David, aluno do 3(o) ano de Curso de Matemática, que havia abandonado o Curso de Engenheria, atraído pela actividade do C.E.M.P. [Centro de Estudos Matemáticos do Porto], seguiu o Seminário orientado por A. Proca, durante todo o seu funcionamento, e foi aí que começou a revelar a sua vocação para Física Teórica, estudando já, com certa subtileza, características simples de uma partícula fundamental com carácter não conservativo."

E este trecho merece um destaque especial, porque Fernando Soares David estudou apaixonadamente Matemática e Física Teórica e, nesse mesmo artigo, Ruy Luís Gomes, ao referir-se à actividade desenvolvida em 1945, lembra que

"Ainda em 1945, o estudante do 4(o) ano de Matemática, Fernando Soares David, de que já tivemos ocasiões de falar, conquistou em concurso público o Prémio Nacional de Francisco Gomes Teixeira, com um trabalho intitulado "Sobre a Comutabilidade de Operadores com Espectros contínuos".

Foi esta a primeira vez que o prémio nacional Gomes Teixeira foi concedido e, por isso, a sua repercussão foi muito grande."

E, como a repercussão foi muito grande, um jornalista do Diário de Lisboa entrevistou-o. Na entrevista publicada em 24 de Dezembro de 1945, com o título "O Laureado do Prémio "Dr. Gomes Teixeira", fala-nos das deficiências do ensino da matemática em Portugal", Soares David afirmou :

"Para mim o curso superior foi uma decepção quase total. Não encontrei aí programas actualizados, salvo uma ou outra excepção, nem estímulo à iniciativa pessoal e à investigação, nem tempo para estudar, com os dias sobrecarregados de aulas práticas de manhã e à noite.

O que a Universidade me não deu - e que era indispensável para completar as raras técnicas clássicas, quase sempre imperfeitas, nela adquiridas -, fui encontrar no Centro de Estudos Matemáticos do Porto."

Esta entrevista serviu de pretexto para impedir Soares David de seguir uma carreira universitária.

Apesar dos esforços de Ruy Luís Gomes para lhe conseguir uma bolsa que lhe permitisse ir para um bom centro estrangeiro, onde pudesse doutorar-se em Física Nuclear, nada foi conseguido.

No mesmo dia, 14 de Dezembro de 1945, em que o prémio lhe foi atribuido, Ruy Luís Gomes pediu, para Soares David, uma bolsa para Inglaterra, junto de Mark Oliphant, ou para os Estados Unidos, junto de Enrico Fermi. A bolsa não foi concedida !

Pouco depois, em 29 de Janeiro de 1946, em resposta a um pedido do I.A.C. para indicação de nomes dos estudantes mais indicados para bolseiros fora do país, Ruy Luís Gomes mencionou novamente o nome de Soares David, para trabalhar sob a direcção de Schrödinder, em Dublin, ou sob a direcção de Fermi ou Urey, em Chicago, ou ainda sob a direcção de Wentzel, na Escola Politécnica Federal de Zurique. Mais uma vez, a bolsa não foi concedida !

Já no fim do ano de 1946, em resposta a um ofício do Reitor da Universidade do Porto, pedindo a indicação de especialidades, para as quais fosse necessário reservar bolsas a serem utilizadas em 1947, mais uma vez Ruy Luís Gomes, entre as bolsas a reservar, indicou, em primeiro lugar, uma bolsa para Física Teórica, a fim de não se perder o trabalho realizado no Centro de Estudos Matemáticas do Porto, por Guido Beck, Proca e outros, e sugeriu que essa bolsa fosse posta a concurso.

Nem assim a bolsa foi concedida !

De modo que, Soares David, para poder exercer uma profissão, depois de diplomado em Matemática e diplomado em Geofísica, regressou à Faculdade de Engenharia a fim de completar o seu curso de Engenheiro Electrotécnico !

É um facto que, depois como engenheiro da Hidroeléctrica do Cávado e, posteriormente, da E.D.P. [Electricidade de Portugal], seguiu cursos relacionados com a energia atómica, em Paris e na Bélgica ; participou em Simpósios em Lisboa e em Southampton ; ministrou cursos na própria Hidroeléctrica do Cávado e na E.D.P., na Ordem dos Engenheiros e no Serviço de Neurologia do Hospital de Santo António ; publicou trabalhos nas revistas "Gazeta de Matemática", "Electricidade", "Engenharia" e Boletim do Centro de Aperfeiçoamento Técnico da Hidroeléctrica do Cávado.

Tudo isso é verdade.

Mas é um facto também, e muito doloroso para os que foram seus companheiros, que a Universidade do Porto não tivesse aproveitado directamente a sua imaginação criadora, a sua capacidade de trabalho, a sua dedicação para a formação de novos quadros universitários, por ter sido brutalmente impedida de o fazer.

Após a sua reforma pela E.D.P., ainda regeu alguns cursos na Universidade Católica. A sua morte prematura, ocorrida há poucos meses, impediu a Universidade Católica de continuar a beneficiar do seu saber e da sua capacidade de convivência e comunicação.

*

O trabalho de Soares David, "Sobre a comutabilidade de operadores com espectros contínuos", foi publicado na Gazeta de Matemática, n(o) 50 (1951), pp. 103-105, Mathematical Reviews, 17 (1956), p.989. O número 50 da Gazeta de Matemática foi publicado em Comemoração do Centenário do Nascimento do Professor Doutor Francisco Gomes Texeira.

Em 1947, o Prémio Nacional Gomes Teixeira foi atribuído ao então estudante do Curso de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa, Fernando Roldão Dias Agudo, pelo trabalho "Sobre um Teorema de Kakeya", Gaz. Mat. n(o) 53 (1952), pp. 1-3, Mathematical Reviews, 14 (1953), p.640.

CAPITULO III

PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL NO MOVIMENTO MATEMATICO

1- Sinais de hostilidade à efervescência matemática

O que se passou com Guido Beck mostrou que não se podia confiar muito na colaboração das entidades oficiais de então para se vencer o atraso em que o nosso País se encontrava, nos vários campos científicos e, particularmente, no campo matemático.

Razão tinha António Monteiro quando, na Gazeta de Matemática, no artigo sobre a origem e objectivos da secção Movimento Matemático (Gaz. Mat., n(o) 10, pp. 25-26), advertia :

"... não devemos ter ilusões de espécie alguma sobre as dificuldades que nos esperam.

Há que contar - isto é de todos os tempos ! - com um recrudescimento da hostilidade da ignorância e da má fé ; da hostilidade daqueles para quem a estagnação ou a decadência da nossa cultura matemática é a condição necessária para a realização de objectivos que nada têm que ver com as ciências matemáticas, daqueles que tremem perante a ideia da existência de uma juventude estudiosa consagrando inteiramente a sua vida e o seu entusiasmo a uma causa pela qual eles nunca lutaram - porque o esforço, a diligência no estudo revelam de uma maneira evidente os erros do passado e as deficiências do presente -, da má fé daqueles que apregoam um interesse e um entusiasmo pelo desenvolvimento da cultura matemática que são desmentidos categoricamente pela sua actuação presente, da má fé daqueles que consideram como revelações de inteligência e da capacidade a adoração da rotina que o uso consagrou e de que eles são por vezes os mais legítimos representantes ; há que contar ainda com a ignorância (e que enciclopédica ignorância !) daqueles que afirmam que o nosso país está perfeitissimamente ao corrente do movimento matemático moderno, que o nível dos nossos estudos matemáticos se pode pôr a par do dos países mais avançados, e finalmente, há que contar com a indiferença (que estranha e cómoda indiferença !) daqueles que dizem que no nosso país não há nada a fazer, que os portugueses são incapazes de realizar um esforço persistente e continuado e que, portanto, são incapazes de contribuir para o progresso das ciências matemáticas !"

Mas os sinais de hostilidade ao movimento científico e, especialmente, ao movimento matemático, as manifestações (quase sempre não inocentes !...) de pessimismo sobre a capacidade dos portugueses em geral e, em particular, da juventude, não faziam desanimar António Monteiro.

De facto, nesse mesmo artigo, Monteiro proclamou :

"Pensamos que o aparecimento destas manifestações deve servir apenas para nos indicar que seguimos pelo bom caminho - porque, a cada tarefa realizada, a reacção deve aumentar - e que nunca devemos desviar a nossa atenção do trabalho metódico e persistente para controvérsias de carácter duvidoso.

É precisamente pelo estudo, pelo trabalho de investigação e pela propaganda das matemáticas, que se pode preparar o ressurgimento dos estudos matemáticos em Portugal, mas importa evidentemente orientar a nossa actuação pelas lições que nos são dadas pela nossa experiência e pela experiência das outras nações. Há que definir um rumo, e segui-lo enquanto a experiência mostrar que estamos no bom caminho !"

2- Os Clubes de Matemática

Desde muito cedo, a Sociedade Portuguesa de Matemática se preocupou com a formação de Clubes de Matemática. Tais Clubes podem ser um auxiliar poderoso na propaganda da Matemática, no fortalecimento do convívio (tão necessário !) entre os interessados em Matemática. Os Clubes podem, inclusivamente, ajudar a resolver algumas dificuldades na aprendizagem da Matemática.

Assim, logo na primeira reunião de estudo, realizada, como dissemos, em Junho de 1941, a Comissão Pedagógica chamou a atenção para a criação de Clubes de Matemática, defendendo

"a difusão do gosto pelo estudo da Matemática por meios extra-escolares, tais como a criação de Clubes de Matemática."

O primeiro Secretário-geral da S.P.M., António Monteiro, empenhou-se entusiasticamente na criação de Clubes de Matemática.

No artigo intitulado Clubes de Matemática (Gaz.Mat., n(o) 11 (1942), pp. 8-12), depois de se referir à importância do papel desempenhado pelos Clubes de Matemática, nos Estados Unidos, no desenvolvimento do gosto pela Matemática, António Monteiro diz o seguinte :

"À luz desta experiência, estamos no direito de pensar que a criação de Clubes de Matemática, na maioria das nossas escolas secundárias e superiores, é susceptível de determinar uma corrente vital de interesse pela matemática, entre os jovens estudantes, que contribuirá de uma maneira eficaz para o ressurgimento das matemáticas portuguesas.

É claro que a criação desses Clubes dependerá em grande parte do interesse e espírito de iniciativa de professores e estudantes.

Nas escolas em que houver um grupo, muito embora pequeno, de pessoas capazes de fundar um Clube de Matemática, estou certo que elas arrastarão atrás de si a grande maioria dos estudantes interessados pela matemática, na medida em que a actividade do Clube corresponder às aspirações culturais actualmente existentes entre essas camadas."

E António Monteiro acrescenta :

"Todas as informações que tenho do nosso meio, mostram que existe uma ânsia de cultura entre os estudantes das nossas escolas superiores."

Depois de dar uma ideia geral sobre a organisação dos Clubes Americanos de Matemática, António Monteiro manifesta a sua admiração, nestes termos :

"Que belo exemplo nos dá a juventude americana, quando toma iniciativas no sentido de alargar e completar a sua cultura e que magnífico exemplo o dos professsores americanos que auxiliam com a sua experiência a actividade dos Clubes e que vêem nos estudantes, companheiros de trabalho e amigos, obreiros conscientes e dedicados pela causa da cultura matemática !"

Preocupado com a situação da Matemática em Portugal, preveniu :

"O ressurgimento dos estudos matemáticos em Portugal só é possível na medida em que a imensa energia intelectual da juventude fôr completamente mobilizada. É certo que nos faltam muitas condições preliminares para atingir um tal objectivo, mas também é verdade que muita coisa se pode ir fazendo desde já. Preparar o futuro ainda é a melhor forma de vivermos as horas que passam e é a juventude que tem maiores responsabilidades nessa tarefa, porque é ela que tem o futuro nas suas próprias mãos, porque é nela que residem as grandes reservas de energia intelectual duma nação."

E, em apoio desta sentença, aduziu :

"Quando Maurice Fréchet nos dizia recentemente que "só o professor que faz investigação científica demonstra a sua superioridade intelectual em relação à média dos seus alunos", implicitamente reconhecia a superioridade intelectual dos estudantes mais qualificados em relação à média dos seus professores.

E António Monteiro insistiu :

"Num país como a França, em que, no campo das ciências matemáticas, os trabalhos decisivos na carreira de um investigador são realizados entre 20 e 25 anos, um professor como Maurice Fréchet, que fundou a Análise Geral por essa idade, não pode pensar de outra maneira.

Da atitude da juventude estudiosa, principalmente, nas escolas superiores, depende em grande parte a probabilidade de se criarem Clubes de Matemática. No ensino secundário parece-me que é da parte dos professores que deve partir a iniciativa.

Em qualquer hipótese, é preciso não esquecer que os estudantes é que devem ter o papel mais activo dentro do Clube. O professor deve desempenhar o papel de um orientador, com um largo espírito de compreensão perante o espírito de iniciativa da juventude."

Depois de apontar várias formas de actuação dos Clubes Americanos para despertar o entusiasmo pelo estudo da Matemática, aludiu ao hábito de os clubes realizarem festas de fim de ano (consistindo de uma representação de uma peça de carácter matemático, um pic-nic ou um jantar) em que se faz um balanço do clube, projectos de actividade para o ano seguinte, se procede a uma distribuição de prémios aos estudantes que mais se distinguiram e em que todos cantam a canção do clube, Monteiro escreveu :

"Isto é possível com aqueles professores que, quando se encontram diante de uma classe liceal que boceja perante as suas lições sobre a simetria das figuras, levam os alunos para o campo ou para o jardim para observarem, nas árvores ou nas flores, exemplos de simetria, que os levam a visitar monumentos para observarem novos exemplos de simetria e que voltam à aula com uma classe galvanizada e que pensam com razão em face dos resultados obtidos que o tempo gasto nos passeios não foi tempo perdido, porque uma classe não é um vasadouro para despejar um programa ! Se o novo ensino da matemática precisa de uma grande remodelação, há uma coisa que é certa, precisamos de um ensino liceal menos catedrático e de um ensino universitário menos elementar."

E Monteiro conclui :

"A criação de Clubes de Matemática é susceptível de corrigir estas duas deficiências. Os estudantes e professores interessados têm o futuro nas suas próprias mãos."

Manda a verdade que se diga que não era tão fácil como se poderia inferir do artigo de António Monteiro, para um professor do ensino secundário ou primário, a meio de uma aula, sair com os seus alunos para o campo, observar as árvores e as flores e regressar, em seguida, à aula, para sistematizar ou reflectir com os seus alunos sobre as observações feitas. Para que isso, tão natural, fosse fácil de fazer, era necessário que o exercício de algumas liberdades cívicas fosse garantido, o que, como se sabe, não acontecia nessa altura. Vivia-se um tempo em que o chamado Ministério da Educação se sentia à vontade para expedir circulares proibindo os professores de terem iniciativas, se sentia à vontade para fechar escolas de formação de professores, se sentia à vontade para perseguir, mandar prender e demitir professores que defendiam as liberdades democráticas.

E, num tal clima, não era fácil ...

3- Duas conferências de António Monteiro dirigidas aos estudantes universitários do Porto

Sob o título Duas Palestras de Vulgarização Matemática na Universidade do Porto, Alfredo Pereira Gomes publicou, na Gaz. Mat. n(o) 13 (1943), uma nota em que se refere a duas conferências que António Monteiro fez no Porto para estudantes de todas as Faculdades.

As palestras tinham o título geral de Miniatura Matemática e serviam para dar ideia do tipo de colaboração que professores universitários podiam prestar aos Clubes de Matemática.

A primeira intitulava-se Geometrias Finitas e os assuntos tratados eram os seguintes :

- Plano euclidiano finito (com 4 e 8 pontos).

- Espaço euclidiano a 3 dimensões (com 8 pontos).

- Axiomas da Geometria e a noção de isomorfismo.

- Sistemas categóricos e não categóricos.

A segunda palestra intitulava-se Algebra Finita e a Geometria Analítica e os assuntos tratados foram os seguintes :

- Algebra dos pares e dos ímpares ;

- Leitura de um relógio ;

- Anéis, domínios de integridade e corpos finitos ;

- Extensão algébrica de um corpo ;

- Representação plana de um corpo de quatro números

complexos ;

- Relações entre a Algebra e a Geometria Finita.

Na nota publicada, Alfredo Pereira Gomes, tendo presente os comentários dos estudantes que assistiram às palestras, salientava que

"A realização de palestras de vulgarização matemática vem ao encontro de um desejo unânime dos estudantes de todas as Faculdades, que vêem numa amplificação dos seus conhecimentos dentro dos domínios desta ciência, não só uma necessidade de adaptação ao seu rápido progresso, mas também um meio eficiente de abordar a crítica de alguns problemas de outras ciências, Biologia, Física, Química, etc."

E Pereira Gomes acrescentava :

"A avaliar pela maneira como estas duas palestras foram recebidas no nosso meio académico, é de esperar a continuação, dentro da Universidade, duma tão útil actividade de vulgarização, em que muito desejaríamos ver incluída a colaboração de estudantes."

4- Colaboração estudantil nos Colóquios

Os esforços desenvolvidos pelos membros fundadores da Sociedade Portuguesa de Matemática, nomeadamente as iniciativas e propostas da Comissão Pedagógica, as conferências e artigos de António Monteiro, Bento Caraça e tantos outros, a orientação clara de António Monteiro contida na afirmação explícita de que

"O ressurgimento dos estudos matemáticos em Portugal só é possível na medida em que a imensa energia intelectual da juventude fôr completamente mobilizada",

a preocupação de Ruy Luís Gomes era, segundo as suas próprias palavras,

"criar um ambiente de trabalho, um "clima" e um estímulo, como resultante da cooperação de todos numa tarefa que transcende o interesse imediato de cada um e traduz uma consciência colectiva : a de que pertencemos a uma Universidade",

a vontade expressa por Pereira Gomes, quando escreveu que

"muito desejaríamos ver incluída a colaboração dos estudantes",

tudo isto foi bem acolhido por um apreciável número de jovens universitários, interessados em adquirir uma formação matemática decente.

Assim, por exemplo, no Instituto Superior Técnico registou-se uma apreciável intensificação da actividade matemática, incluindo colóquios feitos por estudantes.

Conforme pode ver-se na Gaz. Mat., n(o) 13 (1943), p. 17, realizou-se um primeiro colóquio pelo aluno de 3(o) ano de Engenharia Química, Marques Pereira, sobre Interpolação Numérica ; o segundo, pela aluna do 4(o) ano de Engenharia Electrotécnica, Guida Lami, sobre Problemas Clássicos de Geometria ; o terceiro, pela aluno do 4(o) ano de Engenharia Civil, Júlio Ferry, sobre Nomografia ; o quarto, pelo aluno do 4(o) ano de Engenharia Electrotécnica, Adelino Costa, sobre Aplicações dos complexos à Electricidade ; o quinto, pelo aluno do 5(o) ano de Engenharia Electrotécnica, David Lopes Gagean, sobre Elementos da Teoria dos Operadores ; o sexto, pelo aluno do 4(o) ano de Engenharia Electrotécnica, Carlos Ribeiro da Silva, sobre Séries de Fourier e Aplicações à Electro-Acústica ; o sétimo, pelo aluno do 4(o) ano de Engenharia Electrotécnica, Conte Morais, sobre Equações Diferenciais e Aplicações à Electricidade.

*

No Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, também se registou importante colaboração estudantil. No ano lectivo de 1943-1944, houve vários cursos que despertaram o interesse dos estudantes :

- As funções Beta e Gama ; Funções ortogonais, por Bento Caraça ;

- Polinómios de Legendre e Hermite ; Polinómios G(x) e Q(x), por Alfredo da Costa Miranda ;

- Derivação e Integração numéricas, por Rémy Freire ;

- Complementos da Teoria da Interpolação, por Orlando Morbey Rodrigues ;

- Teoria das equações integrais, por Mira Fernandes ;

- Teoria e métodos dos menores quadrados, por Remy Freire ;

- A Econometria, seus fundamentos e seus principais problemas, por Bento Caraça.

No ano de 1944-1945, houve também grande actividade, tendo Remy Freire terminado a preparação da sua dissertação de doutoramento, Estudos de demografia portuguesa ; Alfredo Miranda continuou os seus trabalhos de investigação sobre Pluricapitalização ; e Morbey Rodrigues iniciou os seus trabalhos sobre a Distribuição do Rendimento Nacional e sobre Orçamentos Familiares.

Como relata a Revista de Economia, Vol. I, Fasc. I, pp. 38-39,

"Um numeroso grupo de trabalhadores voluntários, não remunerados, alunos do Instituto, seguiu a elaboração destes trabalhos e colaborou neles.

Assinalaram-se principalmente pelo entusiasmo posto no trabalho, os grupos que cooperaram com o Dr. Orlando Rodrigues nos trabalhos preliminares para o estudo da distribuição do Rendimento Nacional e com o Dr. Rémy Freire nos trabalhos demográficos com que se deu começo de execução à proposta aprovada no Congresso de Córdova.

No ano de 1945-46, os trabalhos prosseguiram apenas perturbados pela circunstância de durante todo o ano lectivo se ter ignorado se os anteriores bolseiros continuavam ou não a sê-lo em face do I.A.C.. É de assinalar, neste ano, o trabalho do grupo de voluntários que sob a direcção do Dr. Rémy Freire, já doutorado em Junho de 1945, se ocupou da tábua portuguesa de mortalidade, em continuação da execução da proposta aprovada em Córdova."

A proposta aprovada em Córdova, a que se alude nesta transcrição, foi apresentada ao Congresso da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências, realizado em Córdova, em Outubro de 1944, por Bento Caraça, em representação do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia.

Dessa proposta consta que a Associação promova

" a realização coordenada de trabalhos nos dois países, tendentes :

a) À determinação de funções e coeficientes de variação populacional nas diferentes regiões da Península Ibérica e sua unificação possível ;

b) Ao estudo da distribuição, suas características e evolução da distribuição da população por idades, nas diferentes regiões peninsulares ;

c) À coordenação de recolha de dados demográficos pelos organismos estatísticos dos dois países ;

d) À obtenção, como objectivo final, de tábuas de mortalidades regionais e, se possível, duma tábua de mortalidade peninsular."

(Revista de Economia, Vol. I, Fasc. I, pp. 38-39).

Na Gazeta de Matemática, n(o) 15 (1943), p. 11, informa-se que foram planeadas, em colaboração com os estudantes, várias palestras sobre questões de Matemáticas Elementares e assuntos de particular interesse para os estudantes de Económicas e Financeiras. A primeira palestra foi realizada pelo estudante João Marujo Lopes e versou sobre a Resolução de problemas de máximos e mínimos sem utilização do Cálculo Diferencial.

Também no Porto, alguns jovens estudantes do Curso de Matemática sentiam a responsabilidade, a obrigação de cooperarem com as actividades matemáticas que estavam entusiasmando a juventude universitária. Em apoio à Gazeta de Matemática, conseguiram mais de meia centena de novos assinantes ; em apoio à S.P.M., conseguiram recrutar apreciável número de novos sócios ; passaram a dar colaboração à secção de Problemas da Gazeta de Matemática, enviando soluções dos problemas propostos e propondo novos problemas.

Participaram ainda, desde o seu início, nos Colóquios de Análise Geral, promovidos pela Junta de Investigação Matemática.

5- O primeiro Clube de Matemática em Portugal

Correspondendo ao interesse que a S.P.M. manifestou pela criação de Clubes de Matemática, quer directamente, quer por intermédio da Gazeta de Matemática,

"um grupo de estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa, tendo reconhecido, numa reunião realizada no dia 7 de Julho de 1942, a necessidade de promover o desenvolvimento dos estudos de Matemática entre os estudantes desta Faculdade, resolveu, depois de autorizados pelo Dr. Oliveira Guimarães, director desta Faculdade, fundar um Clube de Matemática que tem o nome de Clube de Matemática da Faculdade de Letras de Lisboa".

No comunicado publicado na Gaz. Mat., n(o) 11 (1942), p. 32, indica-se o plano de trabalho do Clube, que, entre outros pontos, continha os seguintes :

"1) Resolução e discussão de problemas sobre a matéria das cadeiras de Psicologia Experimental e Escolar, de Pedagogia, de Lógica, em que intervenham conhecimentos de Matemática ;

2) Alargamento da preparação Matemática dos estudantes da Faculdade de Letras com o objectivo de poderem abordar com maior facilidade o estudo dos capítulos da Filosofia, da Lógica, da História, da Ciência, da Psicologia e da Pedagogia, em que a Matemática desempenha um papel importante.

3) Palestras realizadas por estudantes ou professores, desta ou de outras Faculdades, sobre História e Filosofia da Matemática."

A iniciativa da fundação deste Clube pertenceu aos estudantes Cândida Ventura, Joel Serrão, Rui Grácio e Jorge de Macedo.

A resolução por eles redigida foi aprovada por unanimidade e inscreveram-se imediatamente como sócios do Clube, os estudantes Maria Gabriela Rosa, Maria Margarida Pereira Bastos, Maria Margarida Brandão, Olinda Fernandes, Fernando Bandeira Ferreira, Fernando Santos, Francisco Janeiro, Joaquim Barradas de Carvalho, José Gentil e Rui Telmo Dias.

A formação deste Clube entusiasmou de tal maneira a Redacção da Gazeta de Matemática que, no número seguinte, a Redacção contava mais uma secção - a Secção Clubes de Matemática - pela qual passou a responder Guida Lami, participante muito activa dos colóquios realizados por estudantes do Instituto Superior Técnico.

6- Outros Clubes de Matemática

Numa breve nota publicada por Guida Lami na Gaz. Mat. n(o) 12 (1942), p. 24, intitulada Clubes de Matemática, pode ler-se

"No último número da "Gazeta", deu-se a notícia da fundação do primeiro clube de matemática português, na Faculdade de Letras de Lisboa. No presente número, damos a notícia do surgimento de mais dois clubes, um no Instituto Superior de Agronomia, outro na Faculdade de Ciências de Lisboa, e transcrevemos as comunicações feitas à "Gazeta de Matemática" pelos delegados dos respectivos clubes.

Existem, pois, actualmente, três clubes de Matemática nas escolas superiores de Lisboa. É um resultado importante, atendendo ao pouco tempo decorrido desde a fundação do 1(o) clube (...)."

Do projecto que acompanhava o pedido de autorização ao Director da Faculdade de Ciências de Lisboa, para a fundação do Clube, constava a realização de palestras por professores e alunos sobre :

a) A História e a Filosofia da Matemática ;

b) Relação da Matemática com as outras ciências ;

c) Vida de matemáticos ilustres.

Constava também, entre outras actividades,

- A criação de uma biblioteca ;

- Colaboração com os Núcleos de Investigação da Escola ;

- Colaboração com outros clubes ;

- Organização de concursos e outras competições ;

- Selecção de curiosidades matemáticas.

Dado o interesse manifestado pelo Director da Faculdade, Prof. Víctor Hugo de Lemos e pelo Prof. Ramos e Costa pela fundação do Clube, foram ambos convidados a realizarem palestras. Foi noticiado também que alguns alunos já se estavam preparando para realizarem a suas próprias palestras.

No Instituto Superior de Agronomia, com autorização do Director, Prof. Boaventura de Azevedo, realizou-se no dia 14 de Julho de 1942, uma reunião de alunos, onde foi aprovada uma proposta de criação do Clube de Matemática do Instituto Superior de Agronomia e apresentado um plano de trabalhos que incluía, entre outros, os seguintes pontos :

- Estudo de questões matemáticas versadas nas aulas ;

- Estudo de assuntos matemáticos intimamente ligados à índole dos cursos versados no I.S.A., que, por qualquer razão, não sejam dados nas diversas cadeiras, com especial atenção ao Cálculo das Probabilidades, à Biometria, ao Cálculo de Fisher, ao cálculo gráfico, à construção de ábacos, etc. ;

- Aplicações de conhecimentos matemáticos a questões técnicas.

Na notícia publicada na Gaz. Mat., n(o) 12, p. 25, dizia-se que

"Este plano de trabalho deve ser discutido e modificado, onde fôr julgado necessário, numa próxima reunião a efectuar-se em Novembro, sendo então aprovados os Estatutos do "Clube" e eleita a direcção.

Com carácter provisório, foram encarregados os alunos Ario Lobo de Azevedo, Artur Rocha de Medina, Camilo Lemos de Mendonça e Mário Rodrigues de Carvalho, dos trabalhos de direcção do "Clube", de reunir e criticar as diferentes sugestões que apareçam."

Como notícia de Ultima Hora, o mesmo n(o) da Gazeta de Matemática incluía, na p. 26, a notícia de que

"Acaba de ser fundado o "Clube de Matemática dos Alunos do Instituto Superior Técnico."

Numa reunião efectuada em 20 de Outubro de 1942, um grupo de alunos do I.S.T. tomou a iniciativa da fundação, neste Instituto, dum núcleo de estudos de matemática, cuja necessidade é considerada grande, e propõe-se desde já iniciar o ano escolar com um programa de trabalhos que inclui o estudo de matemáticas aplicadas aos diversos ramos da engenharia, a organização de palestras e cursos por professores e alunos sobre assuntos de interesse geral e particular, a aquisição de livros e revistas que formarão a biblioteca do clube, intercâmbio com outros clubes por meio de concursos, reuniões, etc. e, duma maneira geral, o estudo de todos os assuntos que contribuam para aumentar a cultura matemática dos futuros engenheiros."

A notícia terminava por esclarecer que

"O clube de matemática do I.S.T. é uma das actividades da Associação dos Estudantes e faz parte integrante dela, dispondo assim dos recursos materiais que a mesma Associação lhe fornece, como dinheiro, livros, revistas, etc.. Todos os alunos do I.S.T. podem ser sócios do clube de Matemática, desde o momento que se inscrevam como tal.

Os sócios do clube não têm de pagar qualquer espécie de cota.

Os estatutos do clube, uma vez elaborados, serão apresentados ao Director do I.S.T., e o clube começará os seus trabalhos o mais depressa possível."

7- Supressão dos Clubes de Matemática

Na nota de Guida Lami, anterioramente citada, diz-se a certa altura :

"No Porto, há também um movimento destinado à fundação de clubes nesta cidade, sobre que serão dadas notícias oportunamente."

Na verdade, não houve oportunidade para notícias posteriores. Houve, de facto, um intenso movimento com vista à formação de, pelo menos, um clube de Matemática, o clube de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto ; mas o Governo de então, cujo chefe se havia arrogantemente declarado "anti-democrata, anti-liberal, autoritário e intervencionista", interveio mesmo, autoritariamente como era seu hábito, proibindo a formação de novos clubes de Matemática e acabando com todos os existentes.

Lamentavelmente, não seria este o último acto de hostilidade do regime salazarista, dirigido contra a actividade científica e, especialmente, contra a actividade matemática.

CAPITULO IV

DIFICULDADES NA LUTA CONTRA O ISOLAMENTO CIENTÍFICO

1- Sociedades Matemáticas nos países mais evoluídos

Na Histoire Générale des Sciences, dirigida por René Taton ([67], p. 8) aponta-se como factor decisivo para explicar o "magnifico desenvolvimento dos diferentes ramos das matemáticas no século XIX", o surto rápido das actividades de investigação nos países mais evoluídos,

"sob o efeito da democratização crescente do ensino superior e da profissionalização da actividade de matemático."

e acrescenta-se :

"Esta evolução é ela própria comandada por certos factores políticos, sociais e económicos. A reforma do ensino superior científico e técnico realizada em França pela Revolução concede, com efeito, às matemáticas um lugar muito mais importante do que o que tinham anteriormente nos programas e confia as principais cadeiras aos sábios mais eminentes, dotando estes de uma importante função social e libertando-os das preocupações materiais mais imediatas. Além disso, pondo o ensino em contacto directo com a investigação e abrindo-o a classes mais amplas da Sociedade, favorece-se o aparecimento de um número muito maior de vocações."

O aumento do número de trabalhos de investigação

"é facilitado pela criação de um número crescente de revistas especializadas, pelo aparecimento dos primeiros boletins bibliográficos e pela fundação de sociedades matemáticas regionais ou nacionais : Sociedade Matemática de Londres (1865), Sociedade Matemática de França (1872), Sociedade Matemática de Edimburgo (1883), Círculo Matemático de Palermo (1884), Sociedade Matemática Americana (1888), Associação Matemática Alemã (1890), etc."

Todas estas Sociedades fundam as suas próprias revistas especializadas, boletins informativos, promovem reuniões, colóquios e congressos, etc., servem-se dos meios mais variados para promover o convívio entre os matemáticos dos seus próprios países ou regiões e o convívio entre estes e os dos outros países ou regiões. Fazem o que lhes é possível para não deixar cair os respectivos membros no isolamento científico.

O nascimento da Sociedade Portuguesa de Matemática só foi possível em 1940. Esta diferença de mais de meio século, num período de actividade tão intensa, dá-nos uma ideia do que tem sido o nosso isolamento, principal causa do nosso atraso.

A efervescência da actividade matemática, de que falava António Monteiro, foi absolutamente necessária, mas, evidentemente, não foi, só por si, suficiente para vencermos o nosso atraso.

É que o nosso atraso vinha já de muito longe...

2- Falta de uma tradição de trabalho em Matemática

Quando o rei D. Dinis, em 1290, fundou a Universidade, as Ciências Matemáticas não foram incluídas no conjunto das Ciências a serem leccionadas na Universidade ([66], pp. 11-12).

Garção Stockler, autor do célebre "Ensaio Histórico sobre a origem e progressos das Matemáticas em Portugal", conta que

"A atenção deste grande Rei, não sendo como a de seus predecessores distraída pelos cuidados da guerra, se fixou sobre a administração interna dos seus domínios. Ele começou a proteger as artes e as ciências, e, ajudado generosamente dos prelados do reino, os quais com zelo nunca assaz louvado ofereceram as rendas de algumas de suas igrejas, para se converterem em ordenados de mestres, que pública e regularmente ensinassem as ciências aos Portugueses, estabeleceu em o ano de 1290 a Universidade de Lisboa, que dezoito anos depois transferiu para Coimbra.

Mas como as utilidades de cada uma das ciências não fossem então igualmente notórias, nesta primeira fundação se não estabeleceram também cadeiras para o ensino de todas. As matemáticas do número das excluídas foram, apesar de já naquele século começarem a reverdecer na Europa, e principalmente na corte de Afonso X, Rei de Castela, denominado o Sábio, que eficazmente as protegeu e animou nos seus Estados, sem se poupar a despesas nem desvelos, do que serão perpétuo testemunho as taboadas astronómicas compostas por seu mandado, e que do seu nome se ficaram chamando Afonsinas."

Após as investigações que fez, Garção Stockler chegou à convicção de que, ainda no ano de 1503 não havia na Universidade uma única cadeira de Matemática. Só em 1518, é que D. Manuel I criou uma cadeira, não propriamente de Matemática, mas de Astronomia.

Antes de Pedro Nunes, a Matemática que se estudava, visava quase exclusivamente aplicações à Astronomia e a Astronomia que se estudava visava quase exclusivamente aplicações à Navegação.

Com a decadência da Navegação, decaíram também os estudos matemáticos.

Depois de Pedro Nunes, largos períodos houve em que a Matemática não foi ensinada na Universidade. Por exemplo, após a jubilação de Pedro Nunes, passaram-se cerca de 30 anos sem que fosse nomeado novo lente de Matemática. Foi depois nomeado André de Avelar, que era naturalmente o mais indicado para o lugar, mas era de nível muito inferior ao de Pedro Nunes.

Os estudos matemáticos ressentiram-se do facto de, durante tanto tempo, apenas se ter em vista uma ou outra aplicação.

Ora, uma visão meramente utilitarista da Matemática prejudica o seu desenvolvimento. Sem perder de vista as suas aplicações, a Matemática precisa de ser estudada pelos seus próprios méritos.

Como se sabe, André de Avelar foi duramente perseguido pela Inquisição, que o condenou a cárcere perpétuo quando ele já tinha 76 anos. Os seus dois filhos e as suas quatro filhas foram também perseguidos e encarcerados pela Inquisição ([1], pp. 121-136).

Pedro Nunes não foi perseguido pela Inquisição, mas seus netos Matias Pereira e Pedro Nunes Pereira foram presos, torturados e condenados, o primeiro em oito anos de cárcere e o segundo em mais de oito anos ([19], pp. 137-139).

A Inquisição em Portugal foi especialmente violenta, e tanto, que Gomes Teixeira, católico fervoroso, chegou a afirmar que, se Galileu tivesse sido julgado pela Inquisição portuguesa, então o seu castigo "seria talvez mais duro" ([70], p. 201).

E Gomes Teixeira explica porquê :

" Os Pontífices Romanos reprovavam os excessos das Inquisições e, em Itália, eram ouvidos ; mas na Ibéria, longe de Roma, não eram escutados e as Inquisições continuavam sempre na sua carreira lúgubre de perseguições e crimes."

Também Raul Rêgo, no seu livro "Os índices expurgatórios e a cultura portuguesa", por várias vezes sublinha e documenta o facto de que a censura inquisitorial era nitidamente mais severa em Portugal do que noutros países, inclusivamente em Espanha.

*

O surto de actualização decorrente da reforma pombalina da Universidade de Coimbra contribuiu muito para diminuir o nosso isolamento científico. Como conta Gomes Teixeira ([70], p. 234),

"Pouco tempo depois, já em Portugal se ensinavam doutrinas de Newton, MacLaurin, d’Alembert, Euler, Lagrange, Laplace, etc., e sobre elas se escreviam memórias. Ia-se nas Matemáticas atrás dos outros países, porque se chegara mais tarde, mas não se ia tão atrasado como era de esperar em quem chegava tão tarde."

Gomes Teixeira não deixa, no entanto, de apontar que ([70], p. 234)

"Em um facto, porém, se sentiu na Universidade a falta do Marquês de Pombal. À sua Faculdade de Matemática foi roubado, pela Inquisição, Anastácio da Cunha que, iniquamente condenado, nunca mais lhe foi restituído."

E no "Elogio Histórico do Doutor José Anastácio da Cunha" ([69], p. 124), Gomes Teixeira declara :

"Esta condenação é mais um exemplo a ajuntar às manifestações de um estreito espírito sectarista, religioso ou político, reaccionário ou radical, que em todos os tempos e sob as formas mais variadas, tem afligido e desonrado a Humanidade."

*

Os efeitos da reforma pombalina da Universidade reflectiram-se positivamente na actividade científica portuguesa, mesmo depois da morte de D. José I e do afastamento do Marquês de Pombal das funções governativas.

Como escreveu Gomes Texeira ([70], p. 267-268),

"O impulso dado pelo Marquês de Pombal no século XVIII à instrução pública portuguesa com a reforma dos estudos fôra, porém, tão enérgico, que continuou a exercer a sua acção benéfica nos primeiros anos do século XIX, enquanto viveram os sábios educados naquele século ; mas, depois veio a decadência científica, que só terminou quando terminaram as agitações que a causaram."

E Gomes Teixeira prossegue :

"As Memórias da Academia das Ciências de Lisboa revelam bem esta decadência, pois que, percorrendo-as, vê-se nos primeiros volumes riqueza de trabalhos que satisfaz, e depois, a aumentar, de volume a volume, uma pobreza que desconsola. Além disso, a publicação destas Memórias esteve interrompida de 1800 até 1814."

Certamente por isso, pela decadência assinalada no nível dos trabalhos da Academia, Vitorino Magalhães Godinho, no seu livro intitulado "Do Ofício e da Cidadania", recentemente publicado, declara que ainda hoje pensa, ([15], p. 39),

"que no nosso país as academias são instituições obsoletas e que não contribuem em nada ou muito pouco para o desenvolvimento da cultura portuguesa. A Academia das Ciências contribuiu no século XVIII e mesmo parte do século XIX. Mas, depois, afastou-se do cerne das aspirações do povo português e, portanto, eu não podia deixar, desde os começos das minhas actividades, de estar fora das culturas oficiais."

*

Alexandre Herculano, no seu trabalho Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres, em 1841, faz uma análise do que tinha sido a instrução nacional nas épocas Joanina e Manuelina e conclui que ([33], p. 57)

"Não era, pois, entre nós a matemática mais que uma enxertia, uma excepção ou, antes, uma aberração das tendências literárias do país".

E mais adiante, referindo-se à criação do Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas, em 1835, por Rodrigo da Fonseca Magalhães e aos ataques de que este estadista foi alvo por parte daqueles que se opunham à criação do Instituto, Herculano escreveu ([33], pp. 60-61) :

"Quanta ignorância, quanto pedantismo, quanto medo de civilização havia por almas curtas e rasteiras ; quanta preguiça, quanta incapacidade havia por nossa terra, tudo gemeu, gritou e grasnou insultos, ponderações, reflexões eruditas, argumentadas, soporíferas.

(...) Não houve remédio, a campa caiu sobre a física, a química, a botânica, a matemática, a astronomia (...)."

Rómulo de Carvalho, no seu livro História do Ensino em Portugal, diz mesmo que ([5], p. 554)

"Parece ter sido a criação deste Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas a causa da queda ministerial de Rodrigo da Fonseca, que teria com isso desagradado aos mestres universitários de Coimbra, ciosos da perda de monopolização de tudo quanto respeitasse ao ensino superior."

3- O isolamento e as Conferências Democráticas do Casino

Foi essencialmente para quebrar o nosso isolamento e lutar contra o atraso que foram promovidas, pela chamada geração de 70, as Conferências Democráticas do Casino.

No manifesto de 16 de Maio de 1871, Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de Queirós, Germano Meireles, Guilherme de Azevedo, Batalha Reis, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Sáragga e Teófilo Braga proclamaram ([65], pp. 195-196) :

"Não pode viver e desenvolver-se um povo isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo ; (...).

Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos ; ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada ; (...)"

eram alguns dos objectivos das Conferências Democráticas, constantes do manifesto.

As primeiras seis conferências previstas eram as seguintes :

1) Causas da decadência dos Povos Peninsulares, por Antero de Quental ;

2) A Literatura Portuguesa contemporânea, por Augusto Soromenho ;

3) O realismo como expressão da arte, por Eça de Queirós ;

4) A questão do ensino, por Adolfo Coelho ;

5) Os historiadores críticos de Jesus, por Salomão Sáragga ;

6) O Socialismo, por Batalha Reis.

Só as primeiras quatro foram realizadas, pois, quando, em 26 de Junho de 1871, se ia realizar a 5(a) conferência, as portas do Casino estavam fechadas e nelas afixada uma portaria do Presidente do Conselho de Ministros, Marquês d’Avila e Bolama, datada desse mesmo dia, proibindo essa conferência e todas as seguintes ([65], pp. 197-198).

E porquê ?! Segundo a circular afixada,

"por nelas se expor e procurar "sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado" e por tais factos "além de constituirem um abuso do direito de reunião, ofenderem directa e claramente as leis do Reino.""

Como se vê, os reaccionários que então detinham o poder também não queriam, de modo algum, acabar com o isolamento, que há tanto tempo vinha sendo imposto ao povo português.

4- O nosso atraso em Matemática

Na sua conferência "Causas da decadência dos Povos Peninsulares", realizada em 27 de Maio de 1871, Antero de Quental diz a certa altura ([57], p. 266) :

"Nos últimos dois séculos não produziu a Península um único homem superior, que se possa pôr ao lado dos grandes criadores da ciência moderna : não saiu da Península uma só das grandes descobertas intelectuais, que são a maior obra e a maior honra do espírito moderno. Durante 200 anos de fecunda elaboração, reforma a Europa culta as ciências antigas, cria seis ou sete ciências novas, a anatomia, a fisiologia, a química, a mecânica celeste, o cálculo diferencial, a crítica histórica, a geologia : aparecem os Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz, os Harvey, os Buffon, os Ducange, os Lavoisier, os Vico - onde está, entre os nomes destes e dos outros verdadeiros heróis da epopeia do pensamento, um nome espanhol ou português ? Que nome espanhol ou português se liga à descoberta duma grande lei científica, dum sistema, dum facto capital ? A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência : foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos."

Pelo que respeita à Espanha, a decadência no campo científico é reconhecida pelo matemático espanhol Z.-G. Galdeano, que, no seu artigo "Les Mathématiques en Espagne", publicado em L’Enseignement Mathématique (vol. 1 (1899), pp. 6-21), escreveu :

"É hoje um facto adquirido que, desde o século XVII, a decadência científica da Espanha se fez sentir, enquanto que na França, na Itália, na Inglaterra, Descartes, Viète, Wallis e outros começaram um renascimento tão brilhante.

A falta de idealismo relegou os nossos científicos para as aplicações, que não dão origem a descobertas : o utilitarismo predominante não produziu senão práticas e obras de aplicação à Navegação, à Astronomia, etc."

Pelo que respeita a Portugal, vejamos as opiniões de Gomes Teixera, Pedro José da Cunha e António Monteiro.

5- Opinião de Gomes Teixeira

O volume 2 (1900) da revista L’Enseignement Mathématique, o mesmo volume que contém a notícia dos prémios atribuídos, pela Academia das Ciências de Madrid, a Gomes Teixeira e a Gino Loria pelos trabalhos que apresentaram no concurso Catálogo ordenado de curvas ([7], pp. 216-217), contém também uma carta de Gomes Teixeira que começa assim ([7], pp. 218-219) :

"Em Portugal, não se passam acontecimentos que sejam de natureza a interessar os matemáticos dos outros países, (...)."

Em Maio de 1923, em conferência feita nas Faculdades de Ciências de Paris e de Toulouse, sobre "Les Mathématiques au Portugal" ([72], p. 141), referindo-se ao século XIX, Gomes Teixeira afirmou :

" O número de trabalhos publicados em Portugal durante este século é muito considerável, mas alguns não têm interesse e vários outros são puramente didácticos. O número de trabalhos científicos verdadeiramente originais é bem pequeno e são devidos a Valente do Couto, Manuel Pedro de Melo, Garção Stockler, Daniel da Silva, etc."

Finalmente, na "História das Matemáticas em Portugal", publicada já depois da sua morte, ocorrida em 8 de Fevereiro de 1933, Gomes Teixeira declarou ([70], pp. 269-270) :

"No período que vai desde o começo do século XIX até ao nosso tempo, foram publicados em Portugal numerosos escritos sobre ciências matemáticas, mas são poucos os que merecem ficar assinalados na sua história. A maior parte deles só têm interesse didáctico e, entre os que não estão neste caso, há muitos que são erróneos ou simples imitações de trabalhos estrangeiros."

6- Opinião de Pedro José da Cunha

O Presidente da 1(a) Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática, Pedro José da Cunha, no seu trabalho "Bosquejo Histórico das Matemáticas em Portugal", publicado em 1929, escreveu (p. 30) :

"... enquanto os nossos matemáticos se viam assim isolados dos meios científicos de além-Pirenéus, as descobertas neste ramo da ciência sucediam-se lá fora, qual delas a mais brilhante. Viète criava a álgebra moderna, que recebia logo dos seus continuadores apreciáveis aperfeiçoamentos ; Descartes, inventando a geometria analítica, renovava a geometria ; Newton e Leibniz, por métodos idênticos na essência, mas diferentes na forma, lançavam os fundamentos da ánalise infinitesimal, que os irmãos Bernouilli consolidavam, adoptando a concepção de Leibniz ; Neper descobria os logaritmos ; Fermat imprimia um avanço considerável à teoria dos números ; Pascal fundava o cálculo das Probabilidades ; abriam-se numa palavra, em todos os ramos das matemáticas, admiráveis horizontes, tão vastos como inesperados. E os geómetras que neste período de decadência, apesar de tudo, não deixámos de contar em Portugal, forçados a alhearem-se deste extraordinário movimento de renovação das ideias, só produziram obras mais ou menos antiquadas, de carácter quase exclusivamente didáctico, que em nada podiam contribuir para os progressos da ciência."

7- Opinião de António Monteiro

A opinião de António Monteiro, que vamos aqui registar, vem expressa um artigo intitulado "O Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira", (Gaz. Mat., n(o)15 (1943), pp. 8-9).

A primeira notícia que a Gazeta de Matemática deu deste prémio, foi precisamente no seu n(o)1, em Janeiro de 1940. Mais tarde, Hugo Ribeiro, numa pequena nota intitulada "O Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira" (Gaz. Mat., n(o) 10 (Abril de 1942)) chama novamente a atenção para esse prémio, a ser atribuído anualmente a alunos universitários, para galardoar, mediante concurso, o melhor trabalho de matemáticas puras. Ao prémio pode concorrer qualquer estudante universitário português com menos de vinte e cinco anos de idade, que tiver frequentado com aproveitamento, durante, pelo menos, um ano, algum estabelecimento universitário, onde sejam professadas as matemáticas puras.

Dada a importância do prémio como factor estimulante, quer para os estudantes, quer para os professores incentivarem os estudantes, António Monteiro, no seu artigo de Maio de 1943, depois de notar que, até àquela altura, o prémio não tinha sido atribuído, nem sequer tinha aparecido um concorrente com um trabalho de matemáticas puras, observou :

"É certo que o ensino das Ciências Matemáticas se encontra no nosso país num estado de atraso considerável (ainda recentemente um professor universitário declarou aos seus alunos que esse atraso era de cerca de um século) ; as correntes vitais do pensamento matemático moderno não são ainda ensinadas entre nós, não existe uma atmosfera de interesse efectivo pela investigação matemática entre os estudantes das escolas superiores ; mas todas estas circunstâncias deviam precisamente galvanizar a vontade dos professores progressivos, que existem entre nós, para criarem entre os estudantes uma atmosfera de interesse pelo Prémio Gomes Teixeira. Na realidade, a criação desse prémio foi acolhida praticamente com uma indiferença quase geral. Que esforços se fizeram e que iniciativas se tomaram nas escolas superiores para levar os alunos a realizarem trabalhos de investigação ? Que temas de trabalho se propuseram aos alunos para esse efeito ?"

E mais adiante, António Monteiro declarou :

"Como todos sabem, não existe uma escola matemática portuguesa ; limitamo-nos a ter uma meia dúzia de investigadores entre os quais não há nenhum que se possa considerar um grande matemático da nossa época. Não temos nenhum centro de investigação matemática importante. Há em Portugal umas revistas de matemática, criadas recentemente, uma sociedade de matemática que esboça os primeiros passos, não existem praticamente clubes de matemática, etc." (...)

"A nossa cultura matemática só pode ser refundida e melhorada, só pode ser conduzida a um nível altamente qualificado por indivíduos que tenham a consciência da situação em que nos encontramos e que estejam animados duma fé inabalável na capacidade criadora da nossa juventude estudiosa.

O desinteresse que existe pelo Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira é um índice revelador do estado em que se encontra o ambiente matemático das nossas escolas. Num país em que é obrigação legal dos professores do ensino superior a realização de trabalhos de investigação científica, a realização desses trabalhos inspiraria por certo os discípulos mais atentos, se os resultados obtidos fossem expostos em conferências e cursos livres."

E António Monteiro prossegue :

"O exemplo é contagioso para a juventude. O primeiro passo a dar para que o Prémio Gomes Teixeira encontre um ambiente adequado junto aos estudantes é que os professores de matemática das escolas superiores consagrem a sua actrividade à realização de trabalhos de investigação, como está indicado na lei, que exponham aos seus alunos os resultados, encorajando-os e animando-os na realização de trabalhos de investigação."

Já antes, em Abril de 1942 (Gaz. Mat., n(o) 10, p. 25), António Monteiro dizia que lhe parecia evidente a necessidade de publicar um jornal que teria por título Movimento Matemático, precisamente,

"porque o nosso país anda longe das correntes vitais do pensamento matemático moderno e porque o nosso ensino das ciências matemáticas necessita de uma remodelação completa : remodelação dos programas de estudo, da organização da Licenciatura em Ciências Matemáticas, da preparação dos professores do ensino secundário, das provas de doutoramento e dos métodos de recrutamento de pessoal docente universitário."

Em face do nosso atraso científico, tão documentado, não é de estranhar que as referências que, no estrangeiro, são feitas à situação da ciência em Portugal, sejam pouco lisonjeiras.

Assim, na Histoire Générale des Sciences, publicada sob a direcção de René Taton, no Tomo III - La Science Contemporaine, vol I - Le XIXe siècle, no capítulo intitulado La Vie Scientifique e na parte destinada a informar sobre La Situation Dans Les Différents Pays, são ocupadas um pouco mais de duas páginas [cada página tem 41 linhas], com as informações relativas à França ; quase página e meia com as informações relativas à Alemanha, quase duas páginas com as informações relativas à Grã-Bretanha, quase uma página com as informações relativas à Itália, 16 linhas com as informações relativas à Suiça, 20 linhas com as informações relativas à Bélgica e Holanda em conjunto, 25 linhas com as informações relativas à Escandinávia, uma página com as informações relativas à Europa Central e Danubiana.

Para informar sobre a vida científica (no século XIX) da Península Ibérica, isto é, englobando Portugal e Espanha, são reservadas apenas 9 linhas. E nessas 9 linhas, diz-se o seguinte (pp.628-629) :

"Na Península Ibérica, duramente atingida pelas guerras napoleónicas, apesar de algumas tentativas de reforma liberal, as condições políticas continuam pouco favoráveis a um livre progresso da ciência. Entretanto, o reagrupamento das universidades permite dar uma nova vida aos centros mais importantes : Lisboa, Valência, Barcelona e, sobretudo, Madrid. Na alvorada do século XX, esta última universidade será dotada de vários institutos cuja vitalidade é atestada pela influência do grande histologista S. Ramon y Cajal que obterá o Prémio Nobel de Medicina em 1906 pelos seus trabalhos sobre a estrutura do sistema nervoso."

8- Não se perdeu a lição de Monteiro

As palavras oportunas e, sem dúvida, apaixonadas de António Monteiro, as suas iniciativas em prol da investigação matemática e o seu exemplo como militante da Matemática não se perderam.

De facto, em 1945, foi atribuído, pela primeira vez, o Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira, sendo o premiado, como já referimos, o estudante do 4(o) ano de Licenciatura em Ciências Matemáticas, da Faculdade de Ciências do Porto, Fernando Soares David, que concorreu com o trabalho "Sobre a comutabilidade dos Operadores com Espectros Contínuos".

Em 1946, realizou Alfredo Pereira Gomes o seu doutoramento, com a tese "Introdução ao estudo duma noção de funcional em espaços sem pontos", uma tese integrada nas correntes vitais do pensamento matemático moderno, como dizia António Monteiro.

A tese foi publicada na Portugaliae Mathematica, vol. 5 (1946), pp. 1-120 e mereceu uma recensão de E.R. Lorch especialmente longa, em Mathematical Reviews, vol. 8 (1947), pp. 275-276.

Ruy Luís Gomes, que foi arguente da tese, escreveu uma recensão para a Gazeta de Matemática (n(o) 30 (1946), pp. 25-27), onde alude à afirmação de René Baire, em 1904, contida no Prefácio de Leçons sur les Fonctions Discontinues :

"il est alors légitime de rechercher s’il n’est pas possible, en remontant aux définitions premières, d’en tirer des conséquences intéressantes tout en leur conservant autant que possible leur généralité. On peut aussi se proposer de constituer, à côté de l’analyse courante, une autre branche de l’Analyse."

E Ruy Luís Gomes exprime a ideia de que Baire, ao fazer esta afirmação,

"mal podia imaginar o ponto em que hoje nos encontramos. Na verdade, a Algebra Moderna e a Análise Geral, demonstram pelos resultados que encerram a viabilidade do programa anunciado por Baire e a fecundidade, o alcance do processo de algebrização a que há pouco aludimos.

E o trabalho do Dr. A. Pereira Gomes, de que pretendemos dar uma notícia nesta revista, enquadra-se nessa linha geral e vem confirmar que os investigadores portugueses se encontram no bom caminho, como de resto foi acentuado recentemente pelo matemático francês A. Denjoy, a propósito do último fascículo da "Portugaliae Mathematica."

Referindo-se especialmente ao último capítulo da tese, dedicado às propriedades topológicas das funcionais (noção de limite superior e limite inferior, semi-continuidade, continuidade, descontinuidade, classes de Borel, classes de Baire), Ruy Luís Gomes declara :

"Este capítulo, só por si, honra o autor e demonstra que as largas possibilidades que se abrem à nossa juventude, no campo da matemática moderna, se não lhe faltarem os meios de acesso aos bons Centros de Estudo e o convívio com verdadeiros Mestres."

Em 1947, como já referimos, o Prémio Nacional Doutor Francisco Gomes Teixeira foi atribuído ao estudante do Curso de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa, Fernando Roldão Dias Agudo, pelo seu trabalho "Sobre um Teorema de Kakeya".

O mesmo número da Gazeta de Matemática que noticiava o doutoramento de Alfredo Pereira Gomes, na Universidade do Porto, noticiava também o doutoramento, na Escola Politécnica Federal de Zurique, em 1946, de Hugo Ribeiro, o mais próximo colaborador de António Ribeiro no Seminário de Análise Geral e nas primeiras actividades desenvolvidas no Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa.

A tese de Hugo Ribeiro, "Lattices" des groupes abéliens finis, teve como referentes os Professores Paul Bernays e Heinz Hopf e foi posteriormente publicada na revista Commentarii Mathematici Helvetici, vol. 23 (1949), pp. 1-17 (Mathematical Reviews, vol. 11 (1950), p. 7).

Quando, em 1942, foi para Zurique, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, já Hugo Ribeiro tinha publicado ou entregue para publicação, nove artigos na Portugaliae Mathematica e alguns outros, de divulgação, na Gazeta de Matemática.

Enquanto esteve em Zurique, juntamente com sua esposa, Maria Pilar Ribeiro, tanto um como outro, sempre se sentiram comprometidos com o fortalecimento do movimento matemático português, enviando colaboração para a Gazeta de Matemática, especialmente, informações sobre o ensino da Matemática na Suiça, e conseguindo novos colaboradores para a Gazeta e para a Portugaliae.

Ainda o mesmo número da Gazeta de Matemática dava notícias do doutoramento, em 1946 e na mesma Escola de Zurique, do físico Armando Gibert, com a tese Effet de la température sur la diffusion neutron-proton. Armando Gibert também participou no Seminário de Análise Geral, colaborou com Hugo Ribeiro num Trabalho de Topologia, Quelques propriétés des espaces (Cf), publicado na Portugaliae Mathematica (vol. 2 (1941), pp. 110-120, Mathematical Reviews, vol. 3 (1942), p. 56) e colaborou com António Monteiro num outro trabalho "Os conjuntos mutuamente conexos e os fundamentos da topologia integral", (Las Ciencias, ano 7, n(o) 2 (1940)).

A sua tese foi publicada na revista Helvetica Physica Acta.

*

Os exemplos que acabámos de apontar são, em nosso entender, suficientes para podermos concluir que a lição de António Monteiro não foi esquecida.

Mas falta ainda mencionar um caso, um caso muito importante, o caso de Sebastião e Silva, que, como anteriormente referimos, foi dos mais activos colaboradores do Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa e realizou uma obra de investigação, de divulgação e de preparação de professores para o ensino superior e para o ensino secundário, de tal grandeza, que António Monteiro veio a considerá-lo como o maior matemático português.

No penúltimo artigo que Hugo Ribeiro publicou na Portugaliae, Actuação de António Aniceto Monteiro em Lisboa, entre 1939 e 1942, dedicado à sua memória, caracteriza-se a situação das Matemáticas antes da actuação de Monteiro, pelas seguintes palavras :

"Com uma ou outra excepção, a Matemática (pura) não era cultivada em Portugal e, assim, as escolas superiores limitavam-se a preparar professores das escolas secundárias, ou técnicos e cientistas que porventura a utilizariam. Foi nesta atmosfera, enormemente agravada pela opressão da ditadura e as guerras, civil de Espanha e na Europa, que Monteiro, não participante do ensino oficial, fez entrar uma lufada de ar fresco impulsionando decididamente a Matemática neste país."

E o artigo termina, dizendo que

"Em 1942, um de nós foi para Zurique e, pouco depois, três outros para Roma. De fora das escolas, as portas para o futuro da Matemática em Portugal tinham sido, decidida e largamente, abertas pelos esforços, dedicação e coragem de António Monteiro. Mais tarde, decerto com melhores oportunidades, um de nós, José Sebastião e Silva, pôde manter aqui uma brisa desse ar fresco que 40 anos depois, ainda podemos respirar."

(Port. Math., vol. 39 (1980), pp. V-VII).

*

No artigo que publicou na Portugaliae Mathematica, à memória de António Monteiro, intitulado O regresso de António Monteiro a Portugal, de 1977 a 1979, Alfredo Pereira Gomes recorda momentos de convívio que com ele manteve, no período de dois anos que Monteiro passou em Portugal, após 32 anos de ausência ! Recorda também passagens de algumas das cartas que Monteiro lhe enviou, por exemplo :

"Em carta que nos dirigiu em 31 de Maiio de 1979, encara a perspectiva de voltar a Portugal, embora com hesitações. Menciona um período de doença aguda ultrapassada, para acrescentar : "Comecei de novo a levantar-me às 4 ou 5 da manhã para trabalhar. São tão lindos os temas sobre os quais estou trabalhando, que não quero perder tempo."

E descreve-os pormenorizadamente em 4 páginas de letra cerrada.

Recorda ainda outras cartas, nomeadamente a carta de 17 de Setembro de 1980, mês e meio antes de falecer.

E no final do seu artigo, Alfredo Pereira Gomes conclui :

"Comovidamente pensamos que, não fôra a sua saúde muito precária, ele teria regressado à terra da sua juventude, onde as suas iniciativas constituiram, e permanecem, as linhas mestras do desenvolvimento matemático deste país."

Isto significa naturalmente que, também na opinião de Pereira Gomes, não se perdeu a lição de Monteiro.

9- Junta de Investigação Matemática

O n(o) 17 da Gazeta de Matemática, de Novembro de 1943, continha um pequeno artigo de Zaluar Nunes, que causou grande sensação e apreensão entre os participantes do movimento matemático português de então.

O artigo intitulava-se A Partida do Doutor António Monteiro e dava conhecimento de que António Monteiro aceitara o convite que lhe havia sido feito pela Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, para ir reger a cadeira de Análise Superior e dirigir um seminário de estudos matemáticos, prosseguindo na tarefa iniciada tempos antes por ilustres matemáticos italianos.

A escolha de António Monteiro havia sido, segundo informa o artigo de Zaluar Nunes, aconselhada por Alberto Einstein e John von Neumann. Em [27], Ruy Luís Gomes diz que também foi aconselhada por Guido Beck.

António Monteiro não pôde deixar de aceitar o convite, até porque os governantes portugueses de então nunca lhe proporcionaram uma situação estável, nem sequer lhe reconheceram o doutoramento feito em Paris sob a orientação de Maurice Fréchet.

Como o próprio Monteiro disse no seu Curriculum Vitae e Ruy Luís Gomes recorda ([27], p. 35),

"durante o período de 1938-43, todas as minhas funções docentes e de investigação, foram desempenhadas sem remuneração ; ganhei a vida dando lições particulares e trabalhando num Serviço de Inventariação de Bibliografia Científica existente em Portugal, organizado pelo I.A.C.."

O artigo de Zaluar Nunes, depois de recordar

"o animador incansável de quase todas as iniciativas de trabalho no campo matemático, algumas das quais foi o único a concebê-las",

afirma :

"É também ao seu entusiasmo e persistência que se deve em grande parte a criação da Sociedade Portuguesa de Matemática, a publicação da nossa revista e tantos outros empreendimentos, o mais recente dos quais, e de grande importância, é, sem dúvida, o ser um dos fundadores da Junta de Investigação Matemática. Os bolseiros do Instituto para a Alta Cultura que, actualmente na Itália e na Suiça se aperfeiçoam no campo da investigação matemática, e que constituem a melhor propaganda portuguesa cultural no estrangeiro, permitem-nos afirmar - sabemo-lo, de certeza, sem consultas - que muito devem a António Monteiro, na orientação dos seus trabalhos de investigação e no entusiasmo sempre comunicado, impedindo desânimos e eliminando hesitações."

A Junta de Investigação Matemática, a que Zaluar alude no seu artigo, foi fundada por Aureliano de Mira Fernandes, António Aniceto Monteiro e Ruy Luís Gomes, em 4 de Outubro de 1943, e os seus objectivos, contidos na Acta de Fundação, eram os seguintes :

"1(o)- Promover o desenvolvimento da investigação matemática ;

2(o)- Realizar trabalhos de investigação necessários à economia da nação e ao desenvolvimento das outros ciências ;

3(o)- Sistematizar e coordenar a inquirição científica dos matemáticos portugueses ;

4(o)- Vincular o movimento matemático português com o dos outros países e, em especial, com o dos países Ibero-americanos ;

5(o)- Despertar na juventude estudiosa portuguesa o entusiasmo pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora."

(Gaz. Mat., n(o) 17 (1943), p. 18).

Os n(o)s 18 (p. 14) e 19 (p. 29) da Gazeta de Matemática informam que deram a sua adesão à J.I.M., Rodrigo Sarmento de Beires, Bento Caraça, Nuno Fidelino de Figueiredo, Fernando Neves Ferrão, José da Silva Paulo, Zaluar Nunes, os bolseiros do I.A.C. em Zurique Armando Gibert, Augusto Sá da Costa e Hugo Ribeiro e os trabalhadores do Centro de Estudos Matemáticos do Porto, António Almeida Costa, Luís Neves Real, Alfredo Pereira Gomes, Laureano Barros, José Gaspar Teixeira, Maria Odete Botelho, Maria Helena Costa Ferreira, Bernardino Barros Machado e José Morgado

10- Dotação da Junta de Investigação Matemática

A Gazeta de Matemática, n(o) 20 (1944) anunciava na sua primeira página que

"Um grupo de professores e antigos alunos da Faculdade de Ciências do Porto, convencidos de que seria impossível dar realização ao programa da Junta de Investigação Matemática sem lhe assegurar os meios materiais indispensáveis, criaram a "Dotação da Junta de Investigação Matemática". Certos de que a sua iniciativa era susceptível de despertar interesse em sectores muito mais largos, redigiram e fizeram distribuir a seguinte circular."

Seguia-se o texto da circular, onde depois de mencionar os objectivos da J.I.M. e as suas primeiras actividades, nomeadamente, a publicação "de uma série de cadernos de Análise Geral, em que se procura expor, numa forma acessível, as modernas correntes do pensamento matemático" e, em colaboração com o Centro de Estudos matemáticos do Porto, se anunciava a organização de colóquios de Algebra, de Topologia e de Teoria Geral da Medida, com a intenção de "despertar na juventude estudiosa portuguesa o entusiasmo pela investigação matemática e a fé na sua capacidade criadora."

E a circular, uma vez explicada a finalidade da criação da "Dotação da Junta de Investigação Matemática", terminava por convidar a

"associarem-se-nos todos aqueles que, tomando conhecimento dos seus objectivos e das suas realizações, sintam a necessidade de assegurar a sua continuidade e desenvolvimento."

Na resposta a este apelo, distinguiu-se o irmão de Ruy Luís Gomes, o Dr. António Luís Gomes, que conseguiu reunir uma soma de donativos superior a 50.000 escudos, o que, nessa altura, teve excepcional importância, pois, com isso, foi possível contratar António Monteiro que, em Dezembro de 1943, se deslocou, com sua família, para o Porto, onde residiu até à decisão de emigrar para o Rio de Janeiro. Embarcou para lá em 28 de Fevereiro de 1945, contratado por um período de 4 anos.

O seu contracto não foi renovado !

Conforme conta Leopoldo Nachbin ([41], p. XVI), em consequência da sua atitude abertamente anti-salazarista, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro (então capital do Brasil) conseguiu convencer o Reitor da Universidade a não lhe renovar o contrato. Por este motivo, Monteiro mudou-se para a Argentina e acabou por se fixar em Bahia Blanca, após alguns anos na Escola de Engenharia de San Juan, da Universidade de Cuyo.

No artigo que Eduardo Z. Ortiz escreveu, em homenagem à memória de António Monteiro, para a Portugaliae Mathematica, pode ler-se ([55], p. XXXII) :

"Monteiro foi, sem dúvida, um dos mais vigorosos intelectuais contemporâneos. Com Sarmiento, o fundador daquela Escola de Engenharia de San Juan que o trouxe para a Argentina, ele pertence a uma antiga tradição de pensamento Argentino progressivo e independente à qual o país deve algumas das suas mais válidas realizações. Ele representou-a primorosamente no nosso tempo."

11- Palestras sobre a Investigação Científica

Além da realização semanal do Colóquio de Análise Geral, além da publicação da colecção Cadernos de Análise Geral, além de subsídiar outras publicações matemáticas, a Junta de Investigação Matemática promoveu a realização de palestras lidas ao microfone de um posto emissor particular, Rádio Clube Lusitânia, cujo proprietário, Sr. Júlio Nogueira, colaborou, enquanto pôde, com a J.I.M.. Essas palestras punham em relevo a importância da investigação científica nos mais diversos campos e foram os seus autores : Ruy Luís Gomes (O Valor Social da Investigação Científica), António Monteiro (Os Objectivos da Junta de Investigação Matemática), Branquinho de Oliveira (A Investigação Científica e a Defesa da Produção Vegetal), Fernando Pinto Loureiro (A Investigação Científica nas Ciências Sociais), José Antunes Serra (A Investigação Científica em Biologia e sua Importância Prática), António Júdice (A Investigação Científica e o Ensino), Armando de Castro (A Investigação Científica ao Serviço da Economia), Carlos Teixeira (A Universidade e a Investigação Científica), Flávio Martins (Investigação Científica e Agricultura) e Corino de Andrade (A Investigação Científica ao Serviço da Saúde).

Todas estas palestras foram depois publicadas pela J.I.M..

12- Colaboração entre a J.I.M. e a S.P.M.

A Sociedade Portuguesa de Matemática e a Junta de Investigação Matemática sempre colaboraram, uma com a outra e com os Centros de Estudos Matemáticos de Lisboa, do Porto e de Matemáticas Aplicadas à Economia.

Foi a convite da Sociedade Portuguesa de Matemática que docentes do Porto fizeram em Lisboa uma série de conferências, subordinadas ao tema geral Alguns aspectos actuais da Matemática na Física. As conferências foram as seguintes (Gaz. Mat., n(o) 24 (1945), p. 20)

- Em 23 de Maio de 1945, Espaço de Hilbert e Mecânica Quântica, por Ruy Luís Gomes ;

- Em 25 de Maio, Os grupos de representação em Quântica, por Almeida Costa ;

- Em 26 de Maio, Representação das Algebras, por Almeida Costa ;

- Em 28 de Maio, Transformações que conservam a medida, por Neves Real ;

- Em 29 de Maio, Ergodicidade e Transitividade métrica, por Neves Real ;

- Em 31 de Maio, A definição de uma topologia, por A. Pereira Gomes ;

- Em 1 de Junho, Os automorfismos ergódicos como subconjunto dum grupo topológico, por A. Pereira Gomes ;

- Em 2 de Junho, Teoria da Medida e Mecânica Quântica, por Ruy Luís Gomes.

No primeiro semestre de 1946, por iniciativa da J.I.M., realizaram-se no Porto várias sessões aos sábados de tarde, em que se tratou de Sistemas Numéricos.

Assim,

Ruy Luís Gomes tratou do tema Teoria Elementar dos Números Naturais, segundo Hilbert e Bernays em Grundlagen der Mathematik, Bd I ;

Ruy Verdial tratou do tema Teoria Axiomática dos Números Naturais, a partir dos Axiomas de Peano ;

o estudante do 2(o) ano do Curso de Matemática, António Andrade Guimarães tratou dos temas :

1) Construção dos Números Inteiros como o grupo mínimo aditivo que contém uma parte isomorfa ao semi-grupo dos Números Naturais ;

2) O domínio de integridade ordenado dos números inteiros ;

3) Construção do corpo ordenado dos números racionais como o menor corpo ordenado que contém uma parte isomorfa ao domínio de integridade dos números inteiros.

Finalmente, Neves Real tratou do tema Construção do corpo dos números reais pelo método de Cantor (Gaz. Mat., n(o) 28 (1946), p. 18).

A Sociedade Portuguesa de Matemática promoveu a realização de conferências no Liceu Normal de Pedro Nunes, em Junho de 1946, precisamente sobre Sistemas Numéricos e convidou, para a sua realização, além de José da Silva Paulo, professor do Liceu Gil Vicente, de Lisboa, dois conferencistas do Porto : Luís Neves Real e António Andrade Guimarães.

Silva Paulo tratou da Estrutura da Divisibilidade dos Inteiros, o estudante do 2(o) ano, Andrade Guimarães tratou do tema Dos números naturais aos números racionais e Neves Real tratou do tema Dos números racionais aos números reais. (Gaz. Mat., n(o) 30 (1946), p. 15-17).

A J.I.M. publicou o essencial das conferências de Andrade Guimarães e Neves Real.

13- Participação em congressos

A participação em congressos internacionais tem especial importância na luta contra o isolamento científico do País. Por isso, a Sociedade Portuguesa Matemática, a Junta de Investigação Matemática e os Centros de Estudos Matemáticos são a favor da participação nos Congressos Luso-Espanhois para o Progresso das Ciências e nos Congressos Internacionais de Matemáticos.

Assim, por exemplo, no Congresso Luso-Espanhol de 1942, realizado na Faculdade de Ciências do Porto, foi Mira Fernandes quem fez o discurso inaugural sobre o tema Aspectos da moderna geometria diferencial ; Vicente Gonçalves e Rodrigo Sarmento de Beires estiveram na presidência da secção de Matemática. Foram apresentadas 22 comunicações, 15 das quais por matemáticos portugueses, de acordo com os números apontados no artigo de Alfredo Pereira Gomes, intitulado Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Porto - 1942, publicado na Gazeta de Matemática, n(o) 12 (1942), pp. 19-20.

Nesse artigo referem-se algumas deficiências de organização, indo ao encontro do conteúdo de uma proposta de Bento Caraça comunicada à Direcção da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, visando evitar a repetição dos inconvenientes verificados.

No Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, realizado em Córdoba, em Outubro de 1944, apresentaram trabalhos :

- Almeida Costa : Sobre os anéis semi-primários ; Sobre um teorema dos corpos comutativos ;

- José Gaspar Teixeira : Sobre uma certa classe de polinómios de coeficientes complexos ;

- Neves Real : Sobre a construção algébrica da teoria geral da medida ;

- Ruy Luís Gomes : Sobre a definição algébrica de integral em espaços abstractos ;

- Alfredo Pereira Gomes : Sobre a noção de espaço compacto ;

- António Monteiro : Caracterização dos espaços topológicos mais gerais determinados pela família dos conjuntos fechados ;

- Maria Odete Botelho e Maria Helena da Costa Ferreira : Caracterizações simples dos espaços de Kuratowski ;

- Alfredo Miranda : Os polinómios Q(x) e G(x) como resultados da ortogonalização dos sistemas

- Augusto Sá da Costa : Sobre os conceitos de regime de capitalização e de equivalência financeira ;

- Remy Freire : Sobre a população portuguesa.

Foi também apresentada pelos três últimos participantes, uma proposta que visava, além do mais, a obtenção de tábuas de mortalidade regionais e, se possível, duma tábua de mortalidade peninsular.

Maior ou menor, sempre houve participação portuguesa em Congressos Luso-Espanhois para o Progresso das Ciências, mas em Congressos Internacionais de Matemáticos, a participação portuguesa, até 1936, foi praticamente inexistente.

Com efeito, o I(o) Congresso Internacional de Matemáticos realizou-se em Agosto de 1897. Em 1899, fundou-se a revista L’Enseignement Mathématique, com sede em Genebra, que, além do seu programa de natureza pedagógica, contém informações da vida matemática em todo o mundo.

O I(o) Congresso realizara-se em Zurique ; o II(o) Congresso realizou-se em Paris, de 6 a 12 de Agosto de 1900 e, daí em diante, passou a realizar-se de 4 em 4 anos, com excepção das interrupções motivadas pelas duas Grandes Guerras Mundiais. Foi no Congresso de Paris que Hilbert apresentou os seus célebres 23 problemas aos matemáticos de todo o mundo [33’].

Só no III(o) Congresso, de 8-13 de Agosto de 1904, em Heidelberg, há vestígios de uma participação portuguesa : foi enviada uma comunicação de Catreira (Lisboa) (Não seria antes Cabreira ?), intitulada Note sur les rapports polygonaux, mas o autor não pôde comparecer ao congresso (L’Enseignement Mathématique, vol. 6 (1904), p. 389).

No V(o) Congresso, 22-28 de Agosto de 1912, em Cambridge, Inglaterra, esteve presente Gomes Teixeira, em representação do Governo Português (Henrique